Coleção completa por Volume (anual)

Gazeta em forma de e-meio 59 (24/8/2008)

A estadunidização da política brasileira

O nome é feio mesmo, leitor; mais feio ainda é o que significa. Já é um processo adiantado, quase pleno, em São Paulo. Minas caminha a reboque, na mesma fórmula. Tirando estados como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná - o primeiro, por sua histórica e cultural conformação geopolítica; o segundo, por ser o berço de um processo histórico fundamental que, apesar de tudo o que se fez e se faz para destrui-lo, ainda vive; e o terceiro, à contracorrente dos ditados imperialistas pelo firme e corajoso posicionamento ideológico de seu governador -, os demais vão gradativamente alinhando-se ao processo desnacionalizador e alienante da nossa própria cultura e pensamento políticos. Ao mesmo tempo, isto se faz pela mimetização da realidade política que é imposta internamente a estados imperiais para manipular seus povos e dar fachada democrática às decisões de poder que só servem às oligarquias que os dominam e os escravizam. Tal é os EUA.

As coligações que agora se formam nos diversos e novos cenários políticos estaduais para o próximo pleito municipal já indicam o caminho traçado para o futuro pleito nacional de governadores e presidente. São compostas de pseudo partidos políticos que não são mais que estandes de negócios de maior ou menor peso na grande feira da democracia virtual que se está instalando aqui. Aos poucos, ainda que disfarçado, vai se revelando o bipartidarismo de fachada, meramente cartorial; em verdade, ele exibe ao respeitável público a farsa das duas faces do mesmo poder real e aristocrático das oligarquias nacionais a serviço de seus pares imperiais. Tal e qual nos EUA.

Em São Paulo, os resquícios de ademarismos, janismos, malufismos e petismos foram descartados, pulverizados ou periferizados e substituídos pelo republicanismo petista & coligados (Marta Suplicy se comporta como a Hillary republicana) e pelo democratismo peessedebista & coligados (Alkmin tenta a simulação do Obama branquelo).

Minas já se lança ao passo seguinte: a alternância no poder virtual da cara ou coroa da moeda democrática tipicamente estadunidense, como se ela se fizesse em obediência à vontade popular. Aqui, republicanos e democratas se uniram na candidatura do prefeito da capital como base do evidente conchavo de alternância futura do poder virtual do estado (que se pretende republicano no próximo mandato) e do lançamento do atual governador (democrata) à presidência da República. Os demais partidos que competem à prefeitura da capital, com uma única exceção eleitoralmente viável, são todos dessa mesma situação, ou seja, não são concorrentes, são atores secundários contratados para determinados papéis da farsa em troca de posições e fatias no próximo mandatado muncipal. Assim também, com diferenças superficiais e sem interferência na cena principal, ocorre nos grandes municípios ou pólos de riqueza mineiros.

Tudo isto, claro, conduzido pela realidade virtual que é transmitida pela mídia hegemônica através de seus principais veículos e canais. Tal e qual nos EUA.


A campanha na TV e o programa de Sérgio Miranda

O primeiro dia do horário gratuito na TV para as candidaturas a prefeito de BH foi suficiente para demonstrar que nada mudou na “criação” audiovisual das campanhas políticas. Não há, no conteúdo insosso dos programas de candidatos que contrataram publicidade profissional, nada daquilo que se possa intitular com a palavra “política”. É uma espécie de competição de publicitários: qual deles vende melhor um sabonete?

No caso de BH, são cinco sabonetes da situação. Cinco! Todos financiados com a mesma fonte de grana, a qual já definiu o sabonete ganhador, independente do desempenho dos publicitários que escalaram para cada um de seus cinco candidatos.

Porém, o mais triste é que o único candidato de oposição popular eleitoralmente viável, que sabemos não ser financiado por fontes suspeitas e quase não tem grana, muito menos para bancar uma competição de venda de sabonete, parece ter aceito entrar nela.

O programa de Sérgio Miranda foi um desastre para quem esperava, ao menos dele, uma oxigenação de conteúdo realmente político durante o penoso horário gratuito. Se isto não mudar rapidamente, nossa militância, em luta desigual por sua vitória, vai se ver desfalcada dessa arma fundamental de comunicação com o eleitorado, e vamos acabar em maus lençóis na campanha.

O publicitário responsável pelo programa de Sérgio Miranda simplesmente ignorou o carisma e as potencialidades comunicacionais do candidato que lhe seriam muito favoráveis no contexto desta campanha, e, ao invés de dar ênfase a seu discurso político-ideológico e realçar a bipolarização da campanha entre ele e os cinco sabonetes da situação, apresentou-o como um sexto sabonete. E o que é pior: o pior dos seis sabonetes.

Sinceramente, seria melhor ter usado trechos da entrevista de Sérgio na Rádio Favela sobre uma imagem estática do candidato do que fazer a bobagem publicitária que se fez no ar. Por mais um pouco, ela ridicularizaria o candidato, se é que não o fez. Essa coisa de garota propaganda, maneirismos de câmera, de montagem, trejeitos de animação e outras bossinhas (ou bostinhas) - que chegaram ao cúmulo da “ousadia” de jogar ovo podre na cara do eleitor (uma cena tão absurda quanto inexplicável: garotos jogam ovos que estouram num vidro bem em frente à câmera, enquanto xingam o atual prefeito - só quem a viu pode saber do que estou falando) -, não funcionam em política. Outro exemplo: é bem provável que o povão perceba a trucagem vanguardosa sobre detalhes do rosto de Sérgio ao longo de falas pré-escritas, como erros de edição. Eu também a percebo assim, só que, para mim, o erro é pior: é erro de trabalho alienado, de trabalho feito sem engajamento militante e sem envolvimento com a necessidade popular da vitória desta candidatura.

Se o programa do Sérgio tem só dois minutos e meio, ele tem de falar no mínimo dois minutos, e quase sempre olhando direto para o eleitor (o eleitor sabe interpretar o olhar do candidato que fala a verdade – vide Brizola e Darcy Ribeiro na vitória de 1982, no Rio de Janeiro, e o próprio Sérgio em suas campanhas vitoriosas de vereador e deputado federal). De preferência, usar gravações de falas de improviso; Sérgio fala muito bem, com concisão, precisão e clareza. Os cacos que porventura venham, a mesa de edição resolve. No mais, um bom e limpo acabamento audiovisual, sem frescuras e invencionices, boa música, e, se bem feita, alguma edição de imagens pertinentes a determinados trechos de suas falas.

O programa tem de ser feito para dar munição à militância e não para exibir virtuosismo de publicitário. No caso do programa inaugural de Sérgio, a impressão que passou é que o publicitário responsável já dá seu sabonete como derrotado e tenta salvar a prória pele (para o sabonete ganhador, por certo).

Sinto publicar uma crítica tão dura. Mas a paciência deste gazeteiro com o discurso banal de publicidade usurpando os espaços mais nobres do discurso político, em todas as mídias, chegou no limite. Creio que a dos leitores da Gazeta, idem. E penso que a do eleitorado, também. O programa de Sérgio Miranda deve ser radicalmente político e ideológico na totalidade e em cada um de seus frames estabelecendo assim o seu maior diferencial de comunicação com os programas dos demais candidatos, fator que, a meu ver, haverá de ser decisivo para que a campanha dele conquiste o eleitor belorizontino. Acredito mesmo que é a sua chance de vitória. Lutemos por ela.


Abraços

Mario Drumond


Revisão: Frederico de Oliveira (para quem curte textos bons e bem escritos, recomendo o blog de Frederico – O Apito - no endereço http://www.thetweet.blogspot.com).

Copyleft e copyright totalmente liberados. “Direito de ser traduzido, reproduzido e deformado em todas as línguas.”

Arquivamento