Coleção completa por Volume (anual)

Gazeta em forma de e-meio 28 (27/3/2008)

Sopa de plástico

Essa nem São João viu no Apocalipse. Quem primeiro viu foi o oceonógrafo Charles Moore (pelo menos foi o que berrou primeiro). Um mar de lixo de plástico boiando no Pacífico Norte: sandália de dedo, prancha de surf, bola, saco de supermercado, garrafa de refrigerante, balde furado e tudo quanto é tralha possível de ser feita de plástico... uma sopa oceânica duas vezes maior que os EUA! Mais de 100 milhões de toneladas de lixo de plástico à deriva, calcula-se. Não, não é alucinação.

Veja no YouTube: http://www.youtube.com/watch?v=QJvifVrGi8o.

O pior é que as aves e a fauna marinhas confundem aquelas coisas com alimentos, com plancton, ovas e outros nutrientes naturais. Dão em cima como se tudo fosse comida. E morrem sufocados, embrulhados, embaraçados, envenenados e torturados por aquelas obras da civilização. E quando a sopa chega às praias... só vendo (nas fotos e filmes da Internet). Moore acredita que vai demorar cerca de 5.000 anos para que a natureza possa proceder a limpeza, isto se a coisa não aumentar. Mas ela não pára de aumentar. Pobre planeta Terra!


AFundação Ford

Beto Almeida tem enviado informações muito importantes, coisas que só por este meio eletrônico (e-meio) poderiam circular. Uma delas traz um informe escrito pelo jornalista francês Paul Labarique (Rebelión) intitulado “Um amigo que ‘nos quer’ bem – Por que a Fundação Ford subvenciona a contestação”, que é um relato detalhado e bem fundamentado sobre o papel da Fundação Ford no chamado “golpe suave” (softy power).

Muitos pensam que o softy power é uma tática nova do Pentágono. Porém, já vem sendo aplicada pela mesma Fundação Ford, pelo menos na América Latina, há bastante tempo, nem sempre com sucesso. Quando esteve em Lima, Peru, em 1974, este gazeteiro teve acesso à cópia de um documento classificado pela CIA como “top secret”, que fora capturado pela guerrilha sandinista da Nicarágua numa ocupação da Embaixada dos EUA daquele país. Era um espesso volume, com mais de 500 páginas datilografadas, ilustrado com mapas, gráficos e tabelas, escrito na maior parte em inglês, e com muitas citações ou traduções de textos em espanhol. O conteúdo, todo produzido por pessoal da Fundação Ford e seus agentes na AL, e por ela chancelado, não só mapeava, com surpreendente precisão e detalhes, as manifestações de cultura latino-americanas nativas, históricas, populares e nacionais, enfim, todos aqueles valores que Noel Rosa chamava de “coisas nossas”- mas que eles chamavam de “focos anti-americanos de subversão” -, como também estabelecia meios de minimizá-las, invalidá-las, submetê-las, marginalizá-las, contaminá-las e, se possível, destrui-las e eliminá-las. Os procedimentos começavam sempre pela “ajuda” em dinheiro em nome da amizade, patrocínio, etc e tal, para primeiro inflitrar-se e gerar influência interna e, em seguida, corromper, subverter, promover cizânia e, por fim, dissolver, reduzir à insignificância ou extinguir o alvo do ataque softy power.

Táticas sórdidas como a degradação de valores culturais reais e verdadeiros em paralelo ao favorecimento e à valorização de mediocridades eram prescritas com ênfase. O cinismo era a tônica do documento, ao ponto de orientar o financiamento dos “ataques” com recursos das próprias vítimas e por mutretas várias, que iam até ao contrabando de objetos históricos e de arte, adquiridos a baixos custos graças à tática de “degradação” ou capturados como “butins de guerra”, os quais seriam vendidos a bons preços para museus europeus e norte-americanos já envolvidos. Contavam também com aportes financeiros e “patrocínios” de transnacionais favorecidas, cuja relação forneciam (recordo-me da maciça presença das “indústrias do disco”), para os “investimentos” iniciais.

Recomendavam autoridades, instituições, órgãos de imprensa e pessoas influentes como “aliados confiáveis” nas regiões-alvo, fornecendo, inclusive, nomes, endereços, telefones e outros meios de contato. Relacionavam também, da mesma forma, os “agentes locais” e coordenadores de áreas, estes últimos, em geral, norte-americanos, ingleses ou israelenses localizados em embaixadas, consulados, ICBEUs e Institutos de Cultura Inglesa.

O Brasil ocupava mais da metade do calhau e, dentro dele, a curiosidade deste gazeteiro fixou-se na região central de Minas Gerais, onde então atuava profissionalmente como fotógrafo e agitador cultural. Os alvos que mais me chamaram a atenção foram, claro, aqueles a que eu dedicava a maior parte de meus trabalhos e pesquisas. Estavam todos lá, nos detalhes: a pré-história brasileira na Região de Lagoa Santa, os coletivos folclóricos (Folias de Reis, Congadas, Festas do Divino, etc), as manifestações de vanguarda no teatro, no cinema, na literatura, na música, nas artes plásticas, na imprensa alternativa. Também eram alvos o candomblé, a umbanda e todo o tipo de manifestação de cultura afro-brasileira e de autêntica música do povo brasileiro, fossem as “de raiz” ou as “de comércio”. Fui aconselhado a não trazer ao Brasil uma cópia do documento, era muito perigoso. E nunca mais ouvi falar dele.

Há poucos meses, o cineasta José Sette me relatou uma conversa de que participou num evento de cinema, onde foi informado do envolvimento da Fundação Ford no cinema nacional, em movimentos de cultura afro-americana e outros movimentos supostamente contestatórios, o que o deixou muito surpreso. Conheço este filme – refleti. O artigo de Paul Labarique explica por que a Fundação Ford está nessa (e em outras). E, hoje, ela não atua sozinha; um enorme elenco de ONGs, fundações, empresas e instituições coordenadas pelo Depto. de Estado dos EUA formam uma espécie de rede global de cultura softy power.

Explica-se assim quase todos os sucessos comerciais e de mídia desde as décadas de 60/70, as atuais Leis de Incentivo Cultural e os patrocínios culturais das grandes transnacionais e ex-estatais brasileiras. Mas, se considerarmos os pelo menos 40 anos de aplicação do tal softy power, a quantidade de gente e instituições poderosas envolvidas e a grana preta que foi investida, temos de reconhecer que a resistência cultural e popular latino-americanas tem brilhado, e os gringos da Ford bem que merecem esse trocadilho indecente: estão se fordendo. Conseguem atrapalhar, e atrapalhar bastante, mas, “aos trancos e barrancos”, como dizia Darcy Ribeiro, as “coisas nossas” estão aí – vivas -, não nos mataram.


Matrizes saturadas

As “matrizes de opinião” anti Hugo Chávez já se renovam diariamente. Este gazeteiro entende perfeitamente porque vocês, os porta-vozes e serviçais da mídia hegemônica, querem derrubar Hugo Chávez, um presidente que atende às necessidades do povo que o levou ao poder e não aos interesses inconfessáveis das transnacionais, dos bancos, das oligarquias e dos poderes imperiais a que vocês devem tanta obediência e que, aliás, lhes pagam mal. Mas contra Chávez vocês não têm fatos, vocês não têm fotos, vocês não têm vídeos, vocês não têm dados, vocês não têm documentos, vocês não têm provas, vocês não têm argumentos, vocês não têm nada... só o texto vazio e mal escrito na esterilidade “criativa” de suas redações e agências de propaganda. Vocês perderam completamente os trilhos, a linha de interesse racional e calculista do jornalismo venal mas bem comportado e “politicamente correto” que bem ou mal praticavam. E agora naufragam num rancor invejoso e no ódio gratuito a que se entregaram de corpo e alma na obsessão de “criar” a “matriz de opinião” que, enfim, vai derrubar Hugo Chávez, e que, a cada dia, tentam impor a um público que se lhes esvai e lhes deixam na solidão de seus próprios fracassos. Vocês, que se acreditavam os donos da opinião pública, começam a descobrir que não passam de descartáveis gorados e sujeitos a rápidas reposições. Suas “matrizes” - saturadas de mentiras, bobagens e invencionices que só convencem os mais ingênuos e os débeis mentais - não resistem a 24 horas de “exposição mundial” e murcham como balão furado, uma depois da outra. Seus patrões já não disfarçam nem contêm o desespero a que se acometem na perspectiva de mais uma derrota, talvez a definitiva. Ai de vocês!


Nota triste

Faleceu na madrugada de ontem (25/3/2008) o jornalista Sérgio de Souza, o Serjão, editor da revista Caros Amigos. A resistência brasileira está de luto.


Abraços

Mario Drumond


Revisão: Frederico de Oliveira (para quem curte textos bons e bem escritos, recomendo o blog de Frederico – O Apito - no endereço http://www.thetweet.blogspot.com)

Copyleft e copyright totalmente liberados. “Direito de ser traduzido, reproduzido e deformado em todas as línguas.”

Arquivamento