Coleção completa por Volume (anual)

Gazeta em forma de e-meio 46 (4/7/2008)

Tempo de espera

Seis e meia da manhã, no aeroporto de Curitiba. Do lado de fora, sete graus, chuva miùda, cerração, aeroporto fechado para pouso, vôos atrasados. Percebo pessoas me olhando e não faço caso, vou enfrentar o frio para poder fumar. Um cidadão em trajes simples de viagem, quase sem nenhum agasalho, me segue e se aproxima:

- Peço sua licença – disse-me, gentil – mas não seria o senhor um dos que estavam no Programa Brasil Nação ontem à noite?

- Sim, estava – respondi-lhe, tiritando de frio e acendendo um cigarro –; como lhe pareceu o programa?

- Poderia ter sido melhor, se me concede a franqueza. Mas não perdi meu tempo em assisti-lo, gosto do programa e vejo-o sempre que posso. O de ontem foi especial para mim, sou amazonense. Não se incomoda de conversarmos um pouco?

- Pelo contrário, amigo, me agradaria muito. E tempo, ao que parece, não é o que nos vai faltar...

- A questão das reservas indígenas deveria ser exclusivamente para as tribos naturais, as que vivem segundo seus antigos costumes. Por que um índio, só por ter nascido índio - mas que tem camionete 4x4, apartamento em condomínio fechado, usa roupa da moda e óculos escuros -, tem direito a usar e abusar das reservas da sua “tribo”? Isto não é justo: se eu nasci índio, beduíno, esquimó, africano ou asiático, mas me tornei um cidadão brasileiro comum, sou cidadão brasileiro e pronto!

- Você deveria ter se comunicado com o programa...

- Eu tentei, mas, como sempre, o telefone fica o tempo todo ocupado. Eu queria questionar o índio igaricó que participou do programa, que me pareceu um bom representante dos interesses indígenas e muito consciente das questões de Raposa Serra do Sol, apesar de, mesmo usando cocar, ele não ser mais um índio natural. Mas nem todos são como ele. No Amazonas nós sabemos que tem índio traficando drogas, vendendo madeira e outras riquezas de suas reservas em benefício próprio. No mundo civilizado, meu caro, tem gente ruim de toda espécie, não é exclusividade de branco não...

- Sugiro tomarmos um chocolate quente, o cigarro não compensa a friagem. Para um amazonense, você me surpreende, não está morrendo de frio?

Na cafeteria, dois outros telespectadores do programa aderiram ao papo. Lá pelas tantas, um deles, o mais jovem, e, ao que me pareceu, interiorano, disse que a TVE do Paraná é a melhor TV que ele conhece, e que o problema dela era só o Requião (!!??).

- Mas sem o Requião ela não seria a TV que é – retruquei –; o que você tem contra ele?

- Não sei, mas acho ele muito chegado a se tornar um ditador...

- Ditador!? – interrompeu o mais velho – Você é jovem, por isso não sabe o que é uma ditadura, nem tem idéia...

- E a primeira característica de uma ditadura – comentei – é a censura da imprensa. Vi os jornais de hoje naquela banca, todos falando mal do Requião. Que ditador é esse?

A partir daí o papo descambou para a política e o programa ficou de lado.

Sobre o programa, para sintetizar a conversa e não alongar a Gazeta, todos se reconheceram muito mal informados a respeito do assunto Raposa Serra do Sol, e que o programa deu a eles, pelo menos, algumas orientações positivas para o entendimento da questão. Dilson Iguaricó, que veio de Roraima especialmente para o programa, foi elogiado por ter dito que o Estado brasileiro se preocupa pouco com o indígena enquanto tal, e quase nada se investe para conhecer mais a fundo as tribos brasileiras, dando o exemplo de que foi preciso ele ir até a Holanda para aprender a escrever em seu próprio idioma. Apesar de acharem o economista Adriano Benayon e o advogado Paulo Machado Guimarães, do Conselho Indigenista Missionário, muito radicais e “parcializados” em suas opiniões completamente contrárias uma da outra, viram que ambos conhecem bem do que falam, sabem defender suas idéias e deram bons alertas sobre os interesses imperialistas e exógenos que interpenetram o problema. A este gazeteiro elogiaram por ter alertado que o assunto tem tido muito branco e pouco índio dando palpite. Quanto a Beto Almeida, o moderador do programa, já é figura carimbada e conhecida no Paraná todo. Se sair candidato a deputado, disse o mais velho, tem muita chance, porque “voto ele tem”.

- É um programa que vai fundo nos problemas nacionais, porque dá tempo bastante aos que participam de exporem suas idéias. Os convidados são sempre gente boa, que sabem das coisas; gente que só se vê ali, não aparece em nenhuma outra TV. E falam de coisas que também não se ouve – nem sequer se toca! - em TV alguma deste país – comentou o amazonense já se despedindo para embarcar no seu vôo. O curioso é que ninguém quis saber o nome de ninguém. Mais para o fim, entrou na roda, desembaraçado e conversador, um carioca (o sotaque nunca nega).

– Você também viu o programa? – perguntei, depois de ouvi-lo algum tempo no papo político.

– Que programa? - respondeu-me sem perder a cancha.

Os vôos começaram a chegar e a sair, todos se foram, e este gazeteiro ficou por último, a esperar um Gol que viria de Porto Alegre e deveria ter sido o primeiro a aparecer, mas só às 10h30 deu as caras. Se não fosse o Brasil Nação, esse tempo de espera teria sido tempo perdido, um verdadeiro porre de aeroporto, mas, contudo, graças ao papo resultante da boa audiência do programa, valeu.

Durante o tempo solitário de espera, refleti que o Brasil todo parece estar assim, num tempo de espera, parado, inerte, imobilizado, como se não pudesse sair do lugar, esperando por um vôo que o levará dali mas que demora a chegar. Se tivéssemos ao menos um Brasil Nação em cada estado, isto com certeza começaria a mudar – pensei. - Ah, sim, e muito!


Abraços

Mario Drumond

PS – O Brasil Nação aqui referido será reexibido hoje, sexta, às 22h40. Talvez dê para ser visto no site http://www.pr.gov.br/rtve, se o servidor da TVE-PR não der o prego. No domingo passado, infelizmente, deu.


Revisão: Frederico de Oliveira (para quem curte textos bons e bem escritos, recomendo o blog de Frederico – O Apito - no endereço http://www.thetweet.blogspot.com)

Copyleft e copyright totalmente liberados. “Direito de ser traduzido, reproduzido e deformado em todas as línguas.”

Arquivamento