Coleção completa por Volume (anual)

Gazeta em forma de e-meio Vol. 1 (2007)

Coleção completa (edições de nº 1 até nº 20, incluindo as extras)

Gazeta em forma de e-meio 20 (20/12/2007)

O rolo compressor da História

A Gazeta 2, de 11/9/2007, publicou notícia do acordo humanitário que naqueles dias começava, com a mediação de Hugo Chávez, entre o governo e as FARC da Colômbia, para a troca de prisioneiros de guerra. Na ocasião, foi anotada a sabotagem do governo Álvaro Uribe aos objetivos do acordo, que já se faziam visíveis desde então. Porém, a Gazeta, em audacioso comentário, fez a previsão de que nada poderia com o “rolo compressor da História” que, naquele momento, Chávez havia posto em movimento, ao aceitar o convite para a mediação feito pela senadora colombiana Piedad Córdoba, que fora credenciada pelo governo Uribe para fazê-lo em nome da própria Colômbia.

E não deu outra. Desde então, Uribe (e toda a máfia que o cerca) só fez obstruir grosseira e estupidamente o processo, que sempre se adiantava apesar de tudo, até o ponto em que, obedecendo a ordens diretas de Bush, que foram levadas pessoalmente pelo lacaio espanhol Aznar, “decidiu” destituir Chávez da condição de mediador, sob alegações as mais infames. Na verdade, quando convidaram Chávez pensavam em colocá-lo numa armadilha política que pudesse, senão derrubá-lo do poder na Venezuela, avariar consideravelmente seu prestígio internacional. Viram que isto não se conseguia, mas, muito pelo contrário, Uribe e seus amos do Império não tiveram outra saída e apelaram feio.

Não adiantou nada, apenas atrasou um pouco o percurso inevitável dos fatos. Durante a gestão de Chávez, os progressos vieram a passos acelerados e, em menos de três meses, produziu-se um avanço que não fora conseguido em mais de cinco anos por governos e entidades de prestígio mundial que intentaram a mesma coisa. Nem sequer uma prova de vida dos prisioneiros das FARC fora lograda nos últimos cinco anos, por todos os que se envolveram nas tentativas anteriores, inclusive o Vaticano. Chávez obtivera provas de vida em abundância, de vários e importantes prisioneiros, alguns deles há mais de dez anos nos cárceres da guerrilha. Mas, num golpe sujo, Uribe as garfou para si, interceptando-as em Bogotá, a partir das informações privilegiadas que lhe foram dadas pelo próprio Chávez, escondendo-as por algum tempo para impedir que Chávez as exibisse a Sarkosy, na ocasião de sua visita à Europa. E até mesmo prendendo as próprias mensageiras como “terroristas”. Foi quando “destituiu” Chávez da mediação, para poder reivindicar para si a conquista das ansiadas provas de vida. Porém, os fatos jamais lhe dariam tal crédito, e a trapaça se escancarou, para escândalo do mundo inteiro, e para horror das esperançosas famílias dos prisioneiros dos dois lados. Chávez, por sua vez, chamou publicamente Uribe de “marionete do Império”, declarou o rompimento de suas relações pessoais com ele e o fechamento comercial da fronteira com a Colombia – um duro golpe econômico para um país que exporta mais de U$ 5 bi/ano para a Venezuela.

Agora, as FARC, com toda a nobreza, dão uma bela lição aos trapaceiros.

Como se vê divulgado – até pela mídia hegemônica, mas sempre de forma manipulada e esquiva à verdade dos fatos –, as FARC, em atitude unilateral e numa demonstração da seriedade de suas intenções pacifistas, vão liberar três prisioneiros que estavam em seus cárceres há mais de cinco anos, à exceção do pequeno Emmanuel, de três anos de idade, que nasceu no cativeiro e será liberado junto a sua mãe, Clara Rojas, ex-candidata a vice-presidenta da Colombia na chapa de Ingrid Betancourt, que terá de aguardar os próximos lances desse difícil jogo que Chávez vem conduzindo com maestria em favor da pacificação do último país latino-americano onde ainda permanece a luta armada.

Como nenhum veículo da mídia hegemônica publicou o Comunicado das FARC anunciando este ato histórico, a Gazeta, em mais um furo nacional, o publica na íntegra, traduzido para a nossa língua pátria por seu redator-chefe (e único).


Íntegra do comunicado das FARC
(publicado na Prensa Latina em 18 de dezembro de 2007)

1. Álvaro Uribe fracassou em seu intento de manipular o presidente Chávez e a senadora Piedad Córdoba. De novo exibiu seu verdadeiro rosto, de inimigo que é do acordo humanitário e da paz negociada.

2. A indignativa anulação da gestão mediadora foi um ato de barbárie diplomática contra o legítimo chefe de um estado irmão e contra o povo venezuelano, que foram solidários à solicitação de Bogotá. Essa vergonhosa atitude abriu um péssimo precedente, pois também atingiu o presidente Sarkosy, os presidentes latino-americanos solidários com a ação mediadora, outros governos sempre diligentes para assuntos humanitários, o movimento dos países não alinhados, os povos de França, Estados Unidos, América Latina inteira e, especialmente, aos esperançados familiares dos prisioneiros de guerra das duas partes, que já pressentiam mais próximo o final de suas angústias.

3. Este governo que se refere às FARC como se estivesse ganhando a guerra, com fantásticos discursos dirigidos às elites empresariais do mundo, não engana os 30 milhões de colombianos pobres nem as pauperizadas classes médias que são vítimas da violência diária, econômica, social e militar por parte do Estado. Muito menos pôde ocultar do mundo, com o cruel comunicado que encerrou a mediação, a intensa confrontação armada de profundas raízes político-sociais que vive a Colômbia, nem a ilegitimidade do regime cujo presidente e boa parte dos congressistas, prefeitos e governadores foram eleitos graças à ação direta, política, financeira e armada do terrorismo narco-paramilitar.

4. Acovardado para negar com franqueza qualquer possibilidade de acordos humanitários, confundindo-se – ora as FARC são terroristas, ora uma força política-militar, beligerante, com a qual estaria disposto a dialogar e chegar a acordos –, o presidente Uribe, sem nenhuma seriedade, muda radicalmente de opinião cada fim de semana e improvisa inaceitáveis propostas, como a atual, para que realizemos diálogos com o mentiroso assessor Restrepo, em inóspitos, remotos e clandestinos lugares, com prazo de 30 dias, enquanto que nos enche de impropérios, nos ameaça com novas operações militares, ratifica sua ordem de resgate militar e oferece dólares aos combatentes das FARC para traírem seus ideais. Definitivamente, a este governo falta realismo e grandeza para conversar com a insurgência fariana.

5. Reafirmamos a necessidade da liberação de Florida e Pradera por 45 dias para concretizar um acordo humanitário, mantemos nossa decisão de realizá-lo e de avançar para uma solução política do conflito social e armado a partir de uma negociação cercada de plenas garantias por parte do Estado, e buscando, não a recomposição do atual regime paramilitarizado, corrupto e ajoelhado diante do Império, senão a construção de um novo regime, transparente, verdadeiramente democrático e soberano, como expusemos no Manifesto Fariano e na Plataforma Bolivariana.

6. Agradecemos ao presidente Hugo Chávez por sua dedicação, por seu colossal esforço mediador, por sua inquestionável boa fé nesta jornada humanitária, por sua solidariedade com a causa pacífica do nosso povo, e pelo tempo por ele dedicado apesar de suas enormes responsabilidades como primeiro mandatário da hermana República Bolivariana da Venezuela. A História lhe renderá o merecido reconhecimento por sua gestão humanitária.

7. Ante à infâmia uribista e como desagravo ao presidente Chávez, à senadora Piedad Córdoba e aos familiares dos prisioneiros, aceitamos seu chamado e vamos liberar a doutora Clara Rojas, o seu pequeno Emmanuel e a doutora Consuelo Gonzales de Perdomo como mostra inquestionável da esperança que havíamos depositado em seu papel mediador. Elas e Emmanuel deverão ser recebidos pelo presidente Hugo Chávez ou por quem ele designe, em circunstâncias tais que se evitem baixezas uribistas como as sucedidas com as provas de vida. A ordem para libertá-los na Colômbia já foi dada.

Secretariado do Estado Maior Central
FARC-EP
9 de dezembro de 2007
17 anos depois da agressão a casa verde


Abraços

Mario Drumond


Revisão: Frederico de Oliveira (para quem curte textos bons e bem escritos, recomendo o blog de Frederico – O Apito - no endereço http://www.thetweet.blogspot.com)

Copyleft e copyright totalmente liberados. “Direito de ser traduzido, reproduzido e deformado em todas as línguas.”

Gazeta em forma de e-meio 19 (14/12/2007)

Confidencial José Sette

Depois de ingentes esforços e alguma pressão da Gazeta, o cineasta José Sette abriu o jogo e revelou o segredo que vinha guardando a sete chaves. José Sette estava fazendo arte. Pintando o sete, como diria mamãe. Acabou de pôr a palavra FIM, desta vez, não em um filme, mas em seu primeiro livro: Trilogia da Separação, primeiro volume de uma série que intitulou Histórias de Cinema. Como o Folhetim Elétrico está em férias por tempo indeterminado, a Gazeta, na qualidade de sua legítima suplente, assume mais esse grande furo do nosso jornalismo cultural. A obra, que em seus originais digitais foi devorada por este gazeteiro, de cabo a rabo, numa sentada, já está em fase de orçamento para edição.

Este livro vai revelar um raro ficcionista que, além de cultivar sua obra no terreno fértil de uma realidade atemporal e autobiográfica, como já o fazia em seus filmes, inverte a relação de contribuição de linguagem até então praticamente unívoca, da literatura para o cinema, e a torna biunívoca, na medida em que realiza neste livro uma contribuição irrefutável e inovadora, de linguagem, do cinema para a literatura. Não se trata de roteiro em forma literária, nem de literatura em forma de roteiro, coisa que já teve e tem demais por aí, de boa ou de má qualidade, e que, neste caso, não se aplica, mesmo que porventura esta possa ter sido, de início, a intenção ou a proposta do autor. Mas o que ele acabou realizando é algo inédito, pelo menos em nossa língua materna. Sette fez um mergulho profundo nos mais recôndidos e secretos lugares da sua alma de artista, onde se processam as chaves e as dúvidas de sua autoria cinematográfica, e as devolve como revelações inseridas no contexto de criações ficcionais de poderosíssima força literária.

É reivindicação antiga, de mais de vinte anos, deste gazeteiro, a estréia de José Sette como escritor. Este livro comprova que o gazeteiro estava certo. Mesmo assim, tem de confessar que foi muito bem surpreendido.


Infernizando o Paraíso

Foi um sucesso a segunda leitura que Rodrigo Leste fez a este gazeteiro do seu poema em construção Infernizando o Paraíso, agora já em fase de retoques e acabamentos para dar à edição. Desta vez, a leitura rolou na maior cerimônia, a seco, sem cervejas e lero-leros. Foi como uma sessão de trabalho. Além das revelações da obra, fruto de pesquisas dedicadas, inclusive de campo, Rodrigo, que é também ator e diretor de teatro, mostrou-se excelente declamador de seus próprios poemas, coisa que nem sempre dá muito certo.

Eis porque este gazeteiro propôs que a edição impressa da obra fosse acompanhada de um CD com a gravação do poema declamado pelo autor, idéia imediatamente aprovada.

O poeta penetrou fundo nas entranhas das minas gerais com revelações poéticas extraídas de depoimentos que tomou pessoalmente, em pesquisas de campo e em sindicatos, a vários operários que trabalharam nelas. Alguns trazem até cicatrizes de feridas profundas que foram deixadas pelas afiadas garras imperialistas em suas peles curtidas de caboclos. Por agora não vamos mais longe para evitar que, sem querer, possamos quebrar a magia dessa nova criação poética, ainda inédita.

A Gazeta espera que a edição esteja circulando o mais breve possível e já prepara a sua resenha, que será publicada tão logo seja lançado o livro com o CD.


Documentário documento

O cineasta Fábio Carvalho e a produtora Isabel Lacerda (UFA Audiovisual) exibiram na Sala Humberto Mauro, em BH, o novo filme de Fábio Isto é meu e morrerá comigo. A Gazeta estava lá, claro, em mais um furo de reportagem. Na linha do melhor cinema documentário, do cinema verdade, onde Fábio se alinha como ex-discípulo dedicado (agora já é mestre) de cineastas que vão de Vertov a José Sette, sem narrações informativas, explicativas, encomiásticas (todas inúteis em cinema) e sem intermediações entre o espectador e o tema documentado, fazendo-se o cineasta, por seu talento e domínio da linguagem cinematográfica, o elemento catalizador e aproximador deste com o espectador, o filme quase que nos ressuscita a figura imprescindível do nosso querido professor João Etienne Filho, a partir de uma entrevista que o cineasta realizou com ele em 1989.

Foi uma emoção inesperada para este gazeteiro, que teve o privilégio de ser aluno de Etienne por quatro anos seguidos no Colégio Estadual, na disciplina de História, e que desfrutou da amizade daquele Barthes mineiro até um ano antes que falecesse, quando, no último encontro, estiveram no mesmo hotel do Festival de Inverno de Congonhas de 1996, e jogaram muita conversa fiada fora. Conversa fiada? Etienne tinha uma gana feroz por tudo o que era vida e era dotado de uma memória invejável que associava-se muito bem, pelo menos na modesta opinião deste gazeteiro, com a sua maior virtude de verdadeiro filósofo – a do didata inato. Conversar com Etienne era como tomar uma aula magistral, qualquer que fosse o assunto. Por isso, o filme de Fábio Carvalho poderia até se chamar Aula, pois é um documento precioso dessa mesma virtude, justamente no assunto que mais agradava e apaixonava ao mestre Etienne (Fábio acertou na mosca): o Teatro.

Mas esta Gazeta tem obrigação crítica com tudo o que lhe interessa e que considera importante, por isso faz um só reparo ao filme, sem depreciá-lo ou diminui-lo, jamais. A participação do ator Ronaldo Brandão seria perfeita se ficasse restrita à leitura do poema de Etienne. Apesar de muito boas, as demais cenas tomadas com Ronaldo pertencem a outro filme que Fábio haverá de realizar e são desnecessárias neste, pelo que o cineasta as queima sem nenhuma razão, além de reduzir, senão perder completamente, toda a magia dramática da belíssima e muito feliz interpretação do poema. Como foi uma pré-estréia, e o leite ainda não foi derramado, este comentário talvez ainda possa ser útil ao cineasta para uma reavaliação da montagem; do contrário, nem seria feito.


Cometa Bolivariano

Este gazeteiro anuncia que teve a honra de ser convidado pelo editor Beto Vianna a colaborar no tradicional e combativo jornal de resistência Cometa Itabirano, que já completou 28 anos de circulação ininterrupta, façanha ímpar e talvez única na imprensa de resistência no Brasil.

Uma página daquele mensário será ocupada por este gazeteiro a partir da edição de janeiro de 2008 para escrever sobre o que lhe aprouver. Desde já, escolheu, por tema inicial e principal, a Revolução Bolivariana da Venezuela. O leitor da Gazeta, claro, não se surpreende com a escolha do tema.

No mesmo dia, foi convidada também a bailarina Izabel Costa, que desde a sua fulgurante estréia nos grandes palcos do mundo como Maria, do espetáculo Maria Maria, vem contribuindo com uma seqüência de obras de fundamental importância para a dança moderna e contemporânea brasileira (Dã Dá, Sete Danças para Villa-Lobos, Imagel, Roteiro das Minas, Paisagens Imaginárias, Brasileirinhas, entre muitas outras) dando, assim, substância e grandeza ao nosso mal tratado acervo de realizações na linguagem da Dança. Ela escreverá notícias, críticas e resenhas que, com certeza, vão muito bem informar e atualizar os leitores do Cometa Itabirano sobre a realidade e a verdade da Dança no Brasil.

Jornalismo de primeira tem de ser por aí, as pessoas certas ocupando os espaços certos.


Requião na mira

O jornalista Beto Almeida envia e-meio pedindo para espalhar o seguinte:

“(...) o Ministério Público está movendo um ação contra a TVE-PR e o governador Requião porque no programa Escola de Governo, do qual participam personalidades da maior importância e são discutidos temas plurais e diversificados. São também proferidas críticas à grande imprensa e denúncias contra alguns de seus patrocinadores, os grandes bancos, a Monsanto, as multinacionais etc. Escola de Governo, presta contas à população, discute projetos em andamento, denuncia descalabros e promove o debate de temas candentes da realidade nacional tal como transgênicos, ferrovias, infra-estrutura portuária, ecologia, privilégio dos bancos, reforma agrária, agricultura familiar, desnacionalização da economia, integração latino-americana e tantos outros. Pelo Escola de Governo já passaram personalidades nacionais como Márcio Pochmann, Carlos Lessa, Emir Sader, Dom Mauro Morelli, Dom Tomás Balduíno, Dom Pedro Casaldaliga, Brigadeiro Ferola, Marina Silva, Temporão, Bautista Vidal, Adriano Benayon, Leonardo Boff, Chico de Oliveira, Plínio de Arruda Sampaio, entre outros, inclusive muitas pessoas ligadas à sociedade paranaense onde têm oportunidade para expor suas idéias, seus projetos, além de obterem do governo estadual um posicionamento a respeito. (...) O Ministério Público, também foi alvo de denúncias em razão de salários exorbitantes e de sua omissão diante de questões relevantes para o povo do Paraná. Claro, nenhuma surpresa, já que cumprindo suas funções constitucionais uma televisão pública deve refletir o debate existente na sociedade, ausente na tv privada, dada a submissão de sua linha editorial ao interesse dos anunciantes. A surpresa é exatamente a posição do Ministério Público: pediu censura!!! Ao invés de zelar pelo cumprimento da Constituição que proíbe a censura e considera que a comunicação social deva servir de fonte educativa, informativa e cultural ao povo, inclusive prestando contas dos atos de governo, o MP quer proíbir o governador Requião e a TVE-PR de veicular críticas à mídia privada, a mesma que tanto critica e persegue os que se insurgem contra os privilégios do setor financeiro e dos que sustentam os princípios do neoliberalismo, sob a omissão complascente, senão anuente, do próprio MP. (...) Quer o Ministério Público que Requião seja multado em 100 mil reais pelas críticas que tem feito, e em 500 mil no caso de reincidência.”

Que vexame! Diante disso, a Gazeta pergunta: qual foi a atitude do MP em relação àquela reportagem da Globo que instigava a polícia a metralhar favelados, de helicóptero? Ou, a sigla MP deve agora ser entendida como mais um “Ministério das Privadas”?


Abraços

Mario Drumond


Revisão: Frederico de Oliveira (para quem curte textos bons e bem escritos, recomendo o blog de Frederico – O Apito - no endereço http://www.thetweet.blogspot.com)

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Gazeta em forma de e-meio 18 (6/12/2007)

“Razão do pecado”

Muito ao contrário dos EUA e de George W. Bush, que se mantém no poder a partir de eleições fraudulentas e sem transparência nenhuma, a Venezuela de Hugo Chávez deu uma demonstração cristalina de democracia verdadeira ao reconhecer uma derrota eleitoral por apenas 0,4% dos votos válidos, numa eleição superfiscalizada e acompanhada por mais de 100 observadores de 35 países de todos os continentes. No instante em que o Conselho Nacional Eleitoral pronunciou o resultado, no mesmo dia da votação, caiu em pedaços o maior cerco midiático mundial jamais erigido pela mídia hegemônica contra uma nação democrática. A poderosa matriz de opinião midiática, contra a informação e de desinformação, construída ao longo de oito anos consecutivos de mentiras e descalabros a respeito do “tirano”, do “ditador”, do “líder castro-comunista” e outras banalidades reacionárias que não pouparam nem o surrado “comunismo-que-come-criancinhas”, foi pulverizada num segundo. A Operação Tenaz, patrocinada e dirigida pela CIA com vastos recursos financeiros e levada a cabo pela Embaixada dos EUA durante a campanha – que foi descoberta pela Inteligência venezuelana e divulgada dias antes do pleito, prevendo até a invasão da Venezuela para enfim derrubar o “ditador” e suas “fraudes” eleitorais –, foi atingida em cheio pela única possibilidade não prevista em nenhum dos minuciosos cenários que foram calculados para a pós-divulgação dos resultados: a derrota de Chávez. As “oposições”, que se haviam assumido sem nenhum pejo à mais indigna e pública condição de cachorros do Império, estavam preparadíssimas para a “fraude”, até por numerosos e prolongados estágios de seus “líderes” em Miami, Israel e Europa Oriental, e prontas para iniciar uma guerra civil tão logo fosse divulgada a vitória do “Sim”, ficou sem saber o que fazer com a inesperada vitória do seu “Não”. Tiveram de retirar cartazes de “fraude” já colocados estrategicamente e tirar do ar vídeos e chamadas para “derrubar o governo” que veiculavam na internet e nas grandes redes mundiais de TV, bem antes de anunciados os resultados, e negociar às pressas com frustrados chavistas alguns foguetes para uma tímida e desapontada “comemoração”, num bairro chic de Caracas, que durou só o tempo suficiente para o registro das câmeras nacionais e internacionais.

Por seu lado, o governo revolucionário ganhou uma preciosa radiografia, feita pelo povo, de seus órgãos mais atingidos pela doença do poder, além de poder fazer mais uma limpeza purgativa no que ainda permanecia incrustado no interior das Forças Armadas e da administração pública, expurgando e revelando vários novos traíras imprudentes que não resistiram às tentações imperiais e mostraram as caras com antecedência, certos da vitória do novo golpe de Estado. Ganhou também, para si, um severo e necessário processo crítico e autocrítico que agora prolifera e inunda os melhores veículos de resistência e os círculos revolucionários dirigentes e de bases, num debate franco, aberto e radical sobre as razões da derrota, com incontáveis contribuições de muito peso, vozes estas que, em sua maioria, evitavam pronunciar-se por receio de prejudicar o processo de modo intempestivo. Mas o maior ganho da Revolução foi a obtenção de uma cifra real e inédita para a América Latina (exceto Cuba, claro) referente à população de socialistas ativos, convictos, conscientes e radicalmente fechados com o processo revolucionário bolivariano, que se revelou na votação do “Sim”, numa soma que chega bem perto dos 4,5 milhões de eleitores, isto é, metade dos votos válidos ou pouco menos de um terço do total de eleitores registrados neste referendo. Nada mau!

Ademais, o processo se fortalece enormemente, na medida em que se liberta de vez da perversa matriz de opinião fabricada, em nível mundial, contra seus princípios éticos e democráticos, e obriga seus poderosos inimigos a uma trégua que não desejavam, pelo menos até que achem como construir outra matriz de opinião. Livra-se, também, de mais uma leva de pesos mortos, contraproducentes ou nefastos; conquista dados precisos para uma estratégia a curto e médio prazos (o mapa de resultados das urnas); e, principalmente, recebe um saudável alerta, uma advertência mesmo, educativa, podemos dizer, por parte daquele que protagoniza soberanamente o processo na condição de sua própria essência, objeto e princípio, isto é, o povo.

Não é intenção deste gazeteiro discutir aqui causas e razões de uma derrota eleitoral da revolução bolivariana na Venezuela, a primeira, por sinal, numa série recorde de quatorze eleições, mas, sim, fazer uma reflexão que pode ser de boa utilidade a todos os que lutamos por um processo libertário na América Latina.

A fábula que se segue, se a podemos chamar assim, é real e ocorreu com este mesmo gazeteiro quando, em tempos que já vão distantes de sua juventude, ganhava a vida como fotógrafo profissional. No exercício dessa profissão, realizou um trabalho memorável como membro de uma expedição de agrimensores (K. estava lá, só que, daquela vez, trabalhando) para demarcar um latifúndio em terras longínquas do Vale do Jequitinhonha. Prefere pois, narrá-la na primeira pessoa:

Era uma tropa de cerca de quinze homens a cavalo e umas dez mulas de carga, numa expedição super bem equipada e guiada por um jagunço hábil e esperto, viajando por terras inóspitas de grande extensão, para que se estabelecessem os limites de um latifúndio por lugares completamente desabitados. Me impressionou a força e a importância daqueles cavalos e mulas, que nos possibilitavam vencer percursos dificílimos por entre as brenhas emaranhadas daquele deserto verde, espinhoso, rude e escarpado. Descíamos e subíamos vales, varávamos riachos e rios, cruzávamos planícies inacreditáveis, por onde uma fauna rica de variadas espécies fugia, assustada, abrindo caminho para passarmos. Lembro-me de que nos banqueteamos com um tatu enorme – delicioso quitute, servido no próprio casco do bicho – caçado a unha por nosso diligente guia, que acabou por puxá-lo pelo rabo, na marra, de dentro de um buraco em que o bicho se metera.

Era o terceiro dia de viagem e já estávamos de volta, por uma estradinha muito estreita que nos levaria a um diminuto povoado.

De súbito, quando descíamos um declive íngreme e incômodo, um pouco antes de uma curva fechada à direita, os cavalos e as mulas fizeram um alto repentino e inusitado, todos estacando e imobilizando-se, inquietos. Alguns de nós tentaram em vão usar as esporas para fazê-los andar, mas só conseguiam empiná-los, bravos, sem avançar um centímetro. Eis que, logo logo, passa a meu lado, correndo como um corisco, o nosso guia. No momento da parada súbita, ele andava lá por trás, fingindo ajeitar qualquer coisa nas mulas de carga e tomando umas pingas às escondidas. Trazia na mão direita o enorme facão que usava para abrir caminhos nas florestas e bosques, à frente da tropa. Ágil e rápido, ele colheu um galho seco na beira do caminho e foi para o lado de fora da curva, embrenhando-se no mato, por onde sumiu por um breve instante para depois emergir, do outro lado da curva, com o olhar quase a rés do chão, a mirar um alvo que não podíamos enxergar. Testemunhávamos, in loco, uma daquelas cenas magistrais de Euclides da Cunha. O jagunço saiu de dentro do mato sem mover uma folha, arrastando-se pelo chão de poeira, com o facão numa das mãos e o galho na outra, atravessando o caminho como se fosse uma lagartixa, numa trajetória circular em torno do alvo para nós invisível, até sumir por detrás da rocha que beirava a estrada, por dentro da curva. Passaram-se alguns minutos e ouvimos os zunidos e os estalares do facão numa sequência rapidíssima, combinada com os gritos ferozes do jagunço que urrava: “Morre, marvada, sua fia d’égua, safada, disgramada, mardita!”. Não vimos nada, não fizemos nada, só ouvimos. Inclusive essa pérola de cultura que meus ouvidos ainda guardam: “Morre, razão do pecado!”. Logo depois surge ele, no meio da curva, tranqüilo, como se nada houvesse ocorrido, dando um chamado carinhoso a sua égua, cujo nome jamais eu poderia esquecer, tão adequado era ao ente nominado, servil, dócil e obediente: Assembréia!... A égua veio lá de trás, em trote rápido, passando por toda a tropa até aconchegar o focinho nas mãos amigas de seu dono. Ele embainhou o facão no arreio, montou, e, de costas para nós, fez sinal de marchar. E foi bastante este sinal ligeiro para fazer mover, simultaneamente, num átimo, todos os animais da tropa empacada, do primeiro ao último, na direção do destino, a passo lento.

Ao passarmos a curva, vimos à nossa direita os pedaços da cascavel estraçalhada a golpes de facão; alguns deles ainda se moviam aleatórios, agonizantes. Um botânico que ia conosco calculou entre dois a três metros o tamanho da bicha. Vi a língua em forquilha e os dentes letais para fora da cabeça dela, decepada, esborrachada, enorme. Tirei-lhe algumas fotos, cujos negativos ainda conservo.

A história vem ao caso porque me veio à lembrança com a surpresa mundial pelo resultado do plebiscito na Venezuela. É que, meditei, a intuição popular, pela reação medida como resposta de massas, em conjunto, naquele pleito, talvez tenha muito a ver com o instinto animal na premonição do perigo, como aquilo que testemunhei. Muito para além de todas as ameaças do bombardeio midiático que sofreu o povo venezuelano – algumas, reais ou plausíveis, como a guerra civil e a invasão do Império, outras idiotas e risíveis como a perda dos filhos para que o Estado se encarregue de educá-los, a divisão da casa com os mais pobres, e outras baboseiras, até a de uma famoso babalorixá que obteve grande destaque de mídia no dia da votação por prever que Chávez morreria ou perderia o poder se a Reforma fosse aprovada –, falou nas urnas uma outra voz, uma outra sabedoria, semelhante àquela que foi dotada aos animais pela natureza, tornando-os capazes de pressentir um perigo antes mesmo que ele se configure como real. No caso deste plebiscito, talvez tenha falado mais alto o “aspecto não consciente da ideologia”, de que tratou Ludovico Silva.

As “oposições” nada ganharam neste pleito, mantiveram-se na média histórica de 4,2 milhões de votos que, desde 1998, na primeira eleição de Chávez, vêm registrando suas votações, um pouco para menos, um pouco para mais, em cada circunstância. É uma gente que não aprende nem evolui. Do outro lado, mais de três milhões de eleitores que, há um ano exato, votaram em Chávez para presidente, e desta feita recusaram-se a comparecer às urnas. Não disseram “sim”, nem “não” à Reforma da Constituição proposta pelo Presidente que acabaram eleger, com entusiasmo e maciçamente. O que disseram, então? Nada? Para este gazeteiro, os eleitores bolivarianos disseram a seus líderes o mesmo que os cavalos e as mulas daquela tropa disseram a nós, seus condutores: “Olha, se é por este caminho que vocês querem que passemos, nós ficamos por aqui. Depois daquela curva pressentimos um perigo que não sabemos se damos conta dele, mas talvez vocês sejam capazes. Vão lá, acabem com ele, e então seguiremos caminho.

De fato, para um cavalo, a melhor defesa contra uma serpente é a de manter-se à distância de seu bote. É possível que, num combate, um cavalo possa vencer uma cobra pisoteando-a, mas, há que reconhecê-lo, é muito arriscado.

Cabe agora à Revolução Bolivariana da Venezuela, por seus líderes, intelectuais e principais protagonistas, dar cabo dessa serpente que a sabedoria popular intuiu no caminho da Reforma, e que, tudo leva a crer, tem muito mais possibilidade de estar dentro do próprio movimento revolucionário do que nas ameaças das forças reacionárias internas ou externas quanto ao país e ao povo, por mais poderosas sejam, pois estas o povo venezuelano já demonstrou não temer e ser capaz de enfrentar.

A atual Constituição Bolivariana da Venezuela prevê a possibilidade de o próprio povo, numa petição assinada por pelo menos 15% dos eleitores, solicitar a Reforma novamente por meio de referendo. E o povo haverá de fazer essa petição - com certeza e a tempo, porque Chávez tem ainda cinco anos de mandato a cumprir -, se receber um sinal confiável de que o perigo foi eliminado e a transposição da curva, à esquerda neste caso, se fará tranqüila e segura. Só quem pode dar o sinal é Chávez, e cabe também a ele matar essa cobra, “razão do pecado”.


Abraços

Mario Drumond


Revisão: Frederico de Oliveira (para quem curte textos bons e bem escritos, recomendo o blog de Frederico – O Apito - no endereço http://www.thetweet.blogspot.com)

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Gazeta em forma de e-meio 17 (1/12/2007)

Eructações “erudictas” de la derecha

O desespero é evidente. Não sabendo mais o que fazer para que os povos latino-americanos de língua espanhola obedeçam a seus meios de comunicação, as cúpulas de la derecha mundial, incluindo o Pentágono, metem os pés pelas mãos, tentando, a cada dia, um novo recurso tático ou estratégico para “contrarrestar”, como dizem, o discurso poderoso de Hugo Chávez. É fracasso após fracasso, este gazeteiro já perdeu a conta dos tantos que já se deram somente neste ano. Um dos mais recentes vale comentarmos, por demonstrar o aberrante despreparo e a lambança dos “cérebros” dessas cúpulas de “idéias”, em particular quando os combates se dão onde não prosperam os poderes da arrogância, da prepotência, da força bruta ou do dinheiro. Os fracassos se dão nos campos eternos do saber, onde a Humanidade tem colhido os melhores frutos do conhecimento e as mais belas flores da consciência.

Pelo visto, os estrategos de la derecha enfim perceberam que de nada mais lhes valiam os desgastados clichês do tipo “livre-mercado”, “livre-iniciativa”, livre-isso, livre-aquilo, enquanto Chávez encanta as massas com longos discursos e pronunciamentos recheados de erudição histórica, doutrinária e revolucionária. Resolveram-se então por desenvolver também uma “doutrina” e a encomendaram, por certo, a uma agência de publicidade.

Não se preocupe o leitor, não vamos ao sacrifício nem à perda de tempo de ler as 98 páginas do papelucho de luxo que resultou de mais um frustrado brain-storm publicitário, que sai assinado por ninguém menos do que o Sr. José Maria Aznar, o mais bem sucedido picareta do neoliberalismo castelhano, e leva o pomposo e marqueteiro título de América Latina: una agenda de libertad (reparem que agenda virou palavra da moda, e está sendo usada a torto e a direito – mas, neste caso, só a torto).

Bastam-nos algumas resenhas bem escritas e publicadas em veículos sérios, como a do jornalista Marcos Roitman, do diário mexicano La Jornada. Roitman faz uma súmula do dito papelucho em suas teses básicas e simplesmente as expõe ao ridículo delas mesmas perante os leitores de língua espanhola, sem comentários.

Mas, infelizmente, o nível da imprensa em língua espanhola, em especial a de resistência, está muito acima da imprensa de língua portuguesa ou brasileira, além de ter abragência, alcance e audiência muito superior à nossa em relação à mídia hegemônica, que é igual em toda parte. Por isto esta Gazeta deve estender-se um pouco mais neste número, pois Aznar já disse que é amigo de FHC e de Lula e tem planos de vir ao Brasil. Com certeza, pretende nos brindar com sua “obra” doutrinária numa versão em nossa língua.

Vamos pela resenha de Roitman. Segundo o jornalista, os autores pretendem a América Latina como um subcontinente pertencente ao “Ocidente”, visto por eles não só como uma posição geográfica no mapa-mundi mas, também e principalmente, como uma definição ideológica. Para os autores e mentores dessa “doutrina”, “Ocidente” é um sistema de valores universais constituído por três “pilares”:

1 – As idéias nascidas na Grécia como superadora da monarquia de origem religiosa e mágica. Aparecimento da Pólis e da Ágora, a partir das quais se distinguem a ordem da natureza da ordem social. A noção de semelhança, de igualdade ante a lei e a idéia de liberdade.

2 – Os aportes de Roma, o direito, essencial para a Humanidade, delimita o que é seu e o que é meu. “Permite individualizar a vida, porque a propriedade já não se confunde com o magma comunitário”, dizem os autores. Assim se estende a idéia de “um direito superior, perfeito e imutável, um direito natural do qual o direito positivo não é mais que uma aproximação”.

3 – Os valores procedentes da tradição judaico-cristã, “cujo valor fundamental aos efeitos que aqui interessam é a idéia de compaixão, conceito que vai além da própria justiça da tradição romana”... donde se unem:
a) o relato bíblico da criação que faz irmãos a todos os homens;
b) a idéia do tempo linear e não circular que faz possível a idéia de progresso; e
c) a idéia da dignidade essencial do ser humano, universal.
São estes fatores necessários para possibilitar “que o ‘não matarás’ não fique restrito aos judeus, mas, válido para toda a Humanidade, algo que é completamente novo em comparação a outras civilizações, tanto no Antigo como no Novo Testamento”.

Ademais, sobre estes três pilares, reforçam os autores da peça, se assenta a idéia de persona: “ser livre, independente de qualquer construção política”. E, informa-nos o resenhista que, por artes de “birlibiloque” (sic), os autores dão um salto ao presente e extrapolam tais valores ao regime no qual sintetizam suas premissas: “a democracia liberal”.

Toda essa pompa pseudo-erudita já se derruba por si mesma, uma vez que foi justo o conteúdo descrito, ainda que de forma muito simplória, no terceiro “pilar”, a base ideológica que mergulhou o “Ocidente” na noite medieval milenar, e retrogradou o desenvolvimento humano do mesmo “Ocidente” a uma situação quase anterior ao da invenção da roda. Isto se dá desde a negação mesma dos dois primeiros “pilares”, na condenação e anatematização, como pagãs e pecaminosas, das “idéias nascidas na Grécia”, na restauração da “monarquia de origem religiosa”, nos desaparecimentos da Pólis e da Ágora, e no retorno aos castelos e feudos. Da mesma forma, “a noção de semelhança, de igualdade ante a Lei e a idéia de liberdade”, não podiam ter vigência plausível no período medievo-feudal. Também a dita permissão de “individualizar a vida” pelos conceitos do direito romano foi inviabilizada, uma vez que o tal “magma comunitário”, que talvez possamos entender como a vassalagem da época, assim como as terras que ocupava, eram propriedades exclusivas do respectivo senhor feudal ou monarca, eleito por Deus, ou melhor, pela Igreja Católica Apostólica Romana, herdeira ou usurpadora, dependendo de como a reivindicam diferentes correntes teológicas, da tradição judaica do Velho Testamento e, com certeza, a maior usurpadora dos ensinamentos de Cristo, que, mal ou bem compilados, traduzidos ou preservados, fizeram compor o Novo Testamento.

Por outro lado, o terceiro “pilar” nos faz retroagir precisamente ao período medieval em seus pontos mais obscuros (a Idade Média teve também suas luzes, mas não por via de tais “idéias”), uma vez que ignora, ou mesmo abole, a contribuição hindu, muçulmana, islâmica, árabe ao desenvolvimento do “Ocidente”. Foram os sábios muçulmanos que preservaram para o mundo “as idéias nascidas na Grécia”, que a “compaixão” judaico-cristã buscou destruir implacavelmente durante a Idade Média. Os publicitários do Sr. Aznar querem nos privar dos algarismos arábicos, ou indo-arábicos, e que voltemos aos algarismos romanos. Por eles, ficaríamos também sem o número zero, descoberta fundamental que os hindus deram à Humanidade. E também sem as universidades e as luzes da arquitetura e da sabedoria mouriscas que levaram os países da Península Ibérica a superar todos os demais do velho “Ocidente”, a ponto de colocá-los na vanguarda das navegações e dos descobrimentos. Já o “tempo linear” nos faz retroceder não a tempos anteriores ao da relatividade de Einstein, mas aos de antes da espiral de Vico (1668-1744) e da sua revolucionária Sciencia Nuova. Quanto ao Quinto Mandamento (“não matarás”), é possível que o mundo inteiro, por essa ou por outras muitas vias, já o tenha acolhido, mas é preciso avisar os atuais descendentes de Moisés, em Israel e nos EUA, de que ele permanece em vigor, pois são eles os governantes desses dois países e talvez os únicos que ainda insistem em desconhecê-lo e desobedecê-lo. E o fazem em níveis genocidas, muito superiores aos da época do bárbaro, pagão e odioso Molloch, da velha Cartago. Quanto à “idéia de persona”, o que restará dela nessas duas “democracias liberais”, podemos deduzir, será algo mais ou menos semelhante à idéia que seus governantes fazem dos habitantes do Iraque, Afeganistão, Líbano e Faixa de Gaza, para ficarmos só em exemplos bem recentes.

E é com essas “idéias” que, muito melhor entabuladas, já eram arcaicas nos tempos de Vespúcio e Las Casas, e com esses argumentos, cujos “pilares” não sustentam nem a si mesmos, que o Sr. Aznar arremete contra a América Latina exigindo de nossos países adesão (ou rendição) incondicional ao seu muito particular “Ocidente” e à tal “democracia liberal”, regime que, alega ele, condensa todas aquelas suas “idéias” na medida em que “elege seus governantes, limita as decisões a um Estado de direito, garante o direito à vida, a igualdade perante a Lei, as liberdades de reunião, associação e culto, a tolerância e o pluralismo”, e não sem esquecer que, “quanto à ordem econômica, ela se traduz na economia de mercado”. Um primor! Ao enumerar tantas qualidades, assinalam os autores do papelucho: “Ocidente se ergue como um patrimônio da Humanidade expandindo-se ao longo da história, e a América Latina é o fruto histórico dessa expansão desde os fins do Século XV”, donde “o mais relevante de tal incorporação de suas sociedades à idéia de ‘Ocidente’ se produziu mediante a extensão do cristianismo”. Como dizia o nosso querido Ari Barroso: “Durma-se com um barulho desses!”

Quer dizer, depois de nossos ancestrais trucidados, nossas riquezas saqueadas e de fornecermos as bases de conhecimento que erigiram o Renascimento europeu, o Humanismo, as utopias, o Iluminismo e quase todas as evoluções progressistas do pensamento que se deram na Europa, de Morus a Sartre, ainda somos “o fruto histórico” daquela Comédia que era a Europa medieval antes das “descobertas” e devemos tudo de “mais relevante” à “extensão do cristianismo” que assolou e tingiu de sangue todo o nosso continente. “Sem nós, a Europa não teria sequer a sua pobre Declaração de Direitos do Homem” – reclamou Oswald de Andrade.

Mas a coisa não pára aí. O Sr. Aznar, que se diz amigo de FHC e de Lula, percorre a América Latina para denegrir a imagem de Hugo Chávez repetindo as sucessivas mentiras da mídia hegemônica, da qual é prócer e porta-voz, mentiras que seus redatores varam noites para “criar”, uma após a outra, caindo todas elas rapidamente no descrédito mais absoluto, quando não no ridículo. Agora, abatido por tantas derrotas, não só as dele como as de seus pares e de todas as recentes versões dos Três Patetas produzidas por Washington e Hollywood, os “pit-yankes”, como os denomina Chávez, tenta substanciá-las nessa baboseira mal escrita que eructa aos quatro cantos e ainda defeca coisas como as seguintes:

“Porém, pela supremacia que adquiriu frente a outras civilizações, o ‘Ocidente’ se encontra ameaçado por aqueles que desejam retroagi-lo ao magma comunitário (que porra é essa, carajo!) do indigenismo e da barbárie. As experiências do Comunismo, para não irmos mais longe. Na América Latina houve ditaduras, totalitárias ou não, e repressão. Mas foram por curtos períodos de tempo. A aspiração tem sido sempre a de retornar a formas de governo democráticas. Sob este aspecto, o processo de inserção da América Latina ao ‘Ocidente’ tem sido imperfeito e incompleto; porém, por sua história e tradição, por seus aportes à criação, ao pensamento e à cultura, é uma parte dele. Sem embargo, agora toca-nos dar um novo impulso a ela para evitar que caia outra vez no indigenismo. O caminho é incorporar os países latino-americanos na modernidade, e isto passa por aceitar a agenda para a liberdade.” Puuuummmm!

Vamos aceitá-la, Sr. Aznar, mas só depois de o senhor aceitar que os venezuelanos têm toda a razão: o senhor é mesmo “aquele em que um substantivo se fez verbo”. Quanto à sua “modernidade”, sugerimos que quando vier ao Brasil traga as roupas e a armadura de Pizarro. Aí, fantasiaríamos FHC de vice-rei e Lula de índio (ou operário), e é bem provável que o trio seja aceito como destaque de alguma escola da classe B para o próximo desfile da Marquês de Sapucaí.

As causas dessas aberrações – que têm sido recorrentes, e esta não é a primeira e nem a segunda que este gazeteiro vem observando – se tornaram objetos de estudo na Venezuela, onde o fenômeno é muito mais aberrante que em qualquer outra parte do mundo. Psicólogos, estudiosos e autores de diversos artigos publicados no site Aporrea e outros veículos de resistência tratam o fenômeno como uma “dissociação psicótica da realidade”. Mas isto fica para uma futura Gazeta.


Abraços

Mario Drumond


Revisão: Frederico de Oliveira (para quem curte textos bons e bem escritos, recomendo o blog de Frederico – O Apito - no endereço http://www.thetweet.blogspot.com)

Copyleft e copyright totalmente liberados. “Direito de ser traduzido, reproduzido e deformado em todas as línguas.”

Gazeta em forma de e-meio 16 (20/11/2007)

De Adriano Benayon, por ocasião de sua visita a BH para o lançamento da 2ª edição de seu livro Globalização versus Desenvolvimento:
“eu não acredito em teoria da conspiração, eu acredito na conspiração”.


Tá explicado

Informa Thierry Meyssan, editor chefe de RedVoltaire, uma das melhores páginas de opinião da internet, que “todos os dias se realiza uma conferência entre os presidentes de Inglaterra e EUA, onde se decide que informação será dada ao mundo. Dela participam unidades de intoxicação da informação em que tomam parte ministros da Defesa do Reino Unido, Israel, Canadá e Áustria. Procuram sempre plantar alguma informação de ‘importância’, falsa, em algum lugar aparentemente neutro. Em geral, fazem com que alguém conhecido a comente, porque assim ela parecerá mais real e dará mais peso ao que se diga a partir de uma ‘autoridade mundial’. A bola segue então ao Pentágono, onde as reuniões de cúpula contam com a presença de representantes da Reuters e CNN, que resolvem afinal como e quando a informação intoxicada será publicada na mídia hegemônica. Informações verdadeiras necessitam de análises detalhadas para serem intoxicadas, e para eles não importa se criam perturbações e caos, pois o objetivo é o de fazer o maior dano possível ao ‘inimigo’.”

Ao que parece, o primeiro “inimigo” é o leitor-espectador dos produtos da mídia hegemônica, coitado. Para nós, fica explicado o baixíssimo nível que esses produtos de empresas de comunicação apresentam no geral e no particular, apesar da grana que corre solta, em nome da “qualidade”. Com uma “cúpula” dessas, reunindo as cabeças mais estúpidas da boçalidade imperial no mais alto patamar da hierarquia de decisão de seus veículos de comunicação, pouco ou nada sobrará para os agentes lacaios das “bases”, que terão de assinar embaixo da informação intoxicada, coitados.


A work in progress

Rodrigo Leste leu para este gazeteiro a parte inicial já esboçada de um poema de fôlego que está escrevendo, cujo título é Infernizando o paraíso. O tema é raro em poesia; todavia, é também difícil e, à primeira vista, parece estéril à linguagem: a saga das minerações em Minas. Porém, a composição já nos demonstra que a linguagem poética não se submete a limites e é capaz de ser mais eficiente que qualquer outra quando se trata de dar vida à idéia e levá-la, pura e vibrante, diretamente à consciência do leitor (ou do ouvinte). Quando bem sucedida, como é o caso, a poesia é, sem dúvida, a mais poderosa linguagem de comunicação já desenvolvida pela Humanidade, em todos os tempos. Claro que isso depende, antes de tudo, do manejo da pena e do mergulho nas profundezas mais sensíveis da vivência e do conhecimento em que o autor se empenhou na sua elaboração.

NAS VASTIDÕES DAS GERAIS
O DIABO BRANCO É O CAL,
O DEMÔNIO NEGRO, O CARVÃO,
MARROM, O SÚCUBO DO MINÉRIO DE FERRO,
DOURADO, O DEMO AMARELO DO OURO.

Eis um detalhe da obra que nos foi liberado pelo autor, neste que eu considero o primeiro furo de reportagem da Gazeta. A veia poética de Rodrigo Leste nos é bem conhecida desde os anos 70, além do seu talento de escritor e ator de teatro, jornalista e investigador perspicaz. Para a construção deste poema, Rodrigo pôs a sua lupa na histórica Mina de Morro Velho, em Nova Lima, bem ao lado de Belo Horizonte, onde os ingleses ainda se mantêm senhores absolutos. A sua sensibilidade poética cutuca ali o nervo mais exposto do imperialismo, revelando os demônios que infernizam o nosso paraíso há cinco séculos. E põe a nu uma das mais cruéis verdades a que até hoje estamos submetidos: não há pior condição de um Estado moderno do que a de exportador de matérias-primas; ele subjuga seu povo à mais bárbara condição humana, que é a escravidão. Não foi à toa que outro poeta, Mao-Tsé-Tung, ao tomar o poder na China, em 1949, decretou a pena de morte para quem fosse apanhado exportando um cascalho sequer para fora do país sem o benefício do trabalho de um chinês. E a China escrava de então tornou-se a China poderosa de hoje.


Três Patetas III

Na impossibilidade de manter o “perfil” do elenco, o Pentágono teve de ser criativo e fazer algumas concessões. Não havendo mais ex-presidentes latino-americanos dispostos a aceitar o vexame, o jeito foi montar um elenco atípico com José Maria Aznar (ex-Espanha, conhecido na Venezuela como “aquele em que o substantivo se fez verbo”), Mario Vargas Llosa (ex-candidato a presidente do Peru e escritor predileto do neoliberalismo-fim-da-História) e o próprio atual presidente do Peru, Alan Garcia, que se valeu de uma mutreta bem sucedida nas últimas eleições para voltar ao poder, e deve mais esta ao Pentágono.

Dado o fracasso total das edições anteriores, não se espera muito do novo trio na missão inglória de denegrir a imagem de Hugo Chávez. Mas a verba estava liberada, os atores contavam com seus cachês, e a produção já reservara hotéis e passagens. O jeito foi tocar a coisa de qualquer maneira, que fazer? E lá vão os três, América Latina afora, repetir a ladainha de sempre para encher jornais que ninguém lê e programas de rádio e TV que ninguém leva a sério. Haja paciência para essa mídia hegemônica! Como disse o jornalista espanhol Pascual Serrano, no site Rebelión, “nem o Pravda dos tempos finais da era soviética deve ter sido tão monocórdico e soporífero”.


Um lance de dados

O compositor Guilherme Vaz me passou um e-meio em que anuncia um novo concerto (e, com certeza, um novo CD). A Gazeta aguarda, ansiosa, pelos detalhes. E oferece apoio e cobertura, dentro de suas modestíssimas possibilidades.


Plantando energia na terra

É o nome do novo livro de Gilberto Felisberto Vasconcellos, dedicado a Hugo Chávez. A obra está pronta, só aguardando o prefácio de Bautista Vidal. Frederico de Oliveira vai revisá-la, e este gazeteiro vai editorá-la. O original já está na mão, mas ainda é segredo. Em breve falaremos mais. Será outro grande furo da Gazeta. Aguardem.


Notável

O sumiço do cineasta José Sette. Deve estar aprontando alguma e vai guardar segredo até o retorno de seu Folhetim Elétrico, que é o pai, o guru e o maior concorrente da Gazeta. Para o momento, o Folhetim está de férias. Mas o seu autor não, com certeza.


Gazeta impressa

Nosso querido cineasta, artista plástico e melômano Elyseu Visconti Cavalleiro não tem computador, não quer ter, mas quer receber a Gazeta. A solução foi criar a Gazeta impressa, tirada em um único exemplar, só para ele. Ele merece. E a Gazeta será o veículo impresso de menor tiragem do mundo. Ela merece.



Abraços

Mario Drumond


Revisão: Frederico de Oliveira (para quem curte textos bons e bem escritos, recomendo o blog de Frederico – O Apito - no endereço http://www.thetweet.blogspot.com)

Gazeta em forma de e-meio 15 - Extra 2 (14/11/2007)

É indispensável um curso de educação sobre os media

Michel Collon (1) entrevistado por Grégoire Lalieu (2)


Seria necessário ministrar nas escolas um curso de educação sobre os media?

Acho indispensável, pois os media nos manipulam todos os dias. Eles omitem uma grande parte da realidade. Cada guerra é econômica. Quando se ataca o Afeganistão ou o Iraque é para que as multinacionais se apossem das riquezas e das posições estratégicas daqueles países. E a guerra é acompanhada de uma guerra de informação que manipula a opinião pública com o que chamo de "media-mentiras". É preciso, portanto, que os jovens sejam vacinados contra este gênero de práticas, que eles pudessem compreender por que e como a informação é manipulada.

Como as multinacionais exercem pressão sobre os media?

Os grandes media têm orçamentos comerciais que garantem suas empresas. Eles não podem ir contra os interesses de multinacionais que sustentam-lhes tais orçamentos através de publicidade paga, como, por exemplo, as empresas petrolíferas ou automobilísticas. Estas multinacionais dão golpes sujos no Terceiro Mundo, mas, um media não pode denunciá-las, sob pena de perder boa parte das receitas geradas pela publicidade. A maior parte dos media pertence a grandes grupos financeiros.

Isso tem influência sobre a liberdade de expressão?

Evidentemente. Para possuir uma cadeia de televisão privada é preciso ser multi-milionário. Pense em Berlusconi ou em Rupert Murdoch. Será que um multi-milionário vai informar os pobres de modo objetivo? Nada menos certo! Quando uma multinacional quer meter a mão nas riquezas minerais do Congo ou no petróleo do Oriente Médio, ou da Venezuela, ela entra em conflito de interesses com a população destes países que, se for bem informada, impediria que o dinheiro de tais riquezas partisse para o estrangeiro, e ficasse em seus países para assegurar cuidados de saúde e educação a toda a gente. Portanto, quando deparamos com um conflito, é preciso verificar se nos apresentam as versões das duas partes. E, quase sempre, não temos senão o ponto de vista das multinacionais possuidoras dos media, ou que fazem os media existirem graças ao orçamento publicitário.

Concretamente, como poderia ser um curso de educação sobre os media?

É preciso distinguir entre um verdadeiro curso de educação sobre os media e o que se faz agora, que tem mais a ver mais com campanhas comerciais para que os jovens se tornem consumidores perpétuos de tal ou qual media. Este curso deveria ensinar a analisar as imagens, criticar a informação e ir procurar alhures o que não é dito. Em geral, os media não dizem senão uma parte da realidade e escondem elementos essenciais. Deveria ser um curso interativo e provocador à participação dos jovens, que seriam levados a reagir e a refletir sobre as imagens, a perguntar-se se são elas verdadeiras ou falsas, quem poderia manipulá-las e por que... Uma atividade divertida, que experimentei, consiste em dividir a turma em dois países inimigos. O Iraque e os Estados Unidos, por exemplo. Cada grupo, então, deverá fazer um telejornal destinado a servir a seus próprios interesses. É uma maneira lúdica de apreender as engrenagens de manipulação da informação.

Os media exercem real influência sobre os jovens?

Certamente, ainda que os jovens não sigam forçosamente os jornais televisivos. Os media hoje fazem tudo para investir na Internet e recapturar este público jovem. Por outro lado, a manipulação mediática não se faz unicamente através de telejornais e jornais diários. É preciso saber que, após os atentados do 11 de Setembro, reuniram-se a Casa Branca, o Pentágono e as grandes companhias de Hollywood. Estava em causa a comunicação do governo George W. Bush e a definição dos países inimigos que fariam os papéis de vilões nas grandes produções cinematográficas. As idéias e os interesses das multinacionais e do governo dos EUA são veiculadas em filmes e novelas que condicionam a opinião pública. Neles, o terrorista nunca é estadunidense, quando na verdade são os Estados Unidos que cometem mais atos de terror e crimes de guerra por todo o mundo. Os filmes, as novelas de TV e mesmo a publicidade comercial veiculam toda uma série de valores que condicionam o pensamento. E são ainda mais perniciosos do que um jornal de informação, na medida em que são feitos com muito mais recursos de manipulação audiovisual. A série 24 heures chrono, por exemplo, muito bem feita e palpitante, é produzida para justificar a tortura praticada pelos serviços de espionagem e pela polícia estadunidenses.

Hoje, concretamente, o que um jovem pode fazer para se informar bem?

A Internet oferece numerosas possibilidades para escapar ao monopólio dos grandes media. De início, eu aconselho a olhar, num mesmo dia, os telejornais das diferentes cadeias a fim de constatar que todos eles dizem as mesmas coisas e que escondem as mesmas coisas. É preciso, pois, procurar alhures aquilo que não se encontra nos grandes media. É o que procuro fazer no meu site na Internet, no qual divulgo artigos independentes do mundo inteiro. É preciso estimular os jovens a buscarem a informação independente e não manipulada. Há vários anos que o governo da comunidade francesa (da Bélgica) fala de um curso de educação sobre os media, mas, este projecto ainda não viu a luz.

Sabe por que?

Não. Em todo o caso, um jornal de televisão não se avalia como uma pizza, é preciso refletir no que ele tem por detrás. As autoridades não querem entrar em conflito com as multinacionais. Mas se não se fizer a educação sobre os media de maneira crítica, dando a palavra àqueles que não estão sob o domínio das multinacionais, então não será realmente possível falar de educação. Será apenas formatação.

Que interesse vê no encontro com jovens?

Já encontrei todas as espécies de público, especialmente nas escolas, e os jovens são mais abertos, mais curiosos, mais indignados, quando constatam mentiras e injustiças. Escrevi um livro de educação sobre os media, Attention, médias!, publicado em 1991. Preparo agora uma nova obra, um manual sobre os media, que será mais concreto e mais prático. O objetivo é que possa ser utilizado por professores, jovens, animadores, para desenvolver um sentido crítico sobre os media. Para mim, o público jovem é o público prioritário.

(1) Autor de Monopoly, l'OTAN à la conquête du monde e de Bush: Le cyclone(2) Do Centre des Jeunes Indigo de La Louvière (Bélgica) Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/ .

Revisão do texto em português: Mario Drumond

Gazeta em forma de e-meio 15 - Extra (14/11/2007)

Aula de Brasil

Nosso mestre Adriano Benayon vem a BH para o lançamento da 2ª edição, atualizada, do seu livro (que já é um clássico) Globalização versus Desenvolvimento.(1ª ed., Escrituras, São Paulo, 2005). Será no sábado, dia 17, entre 11 e 14h, na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi). Para quem não conhece a obra, trata-se de uma síntese e uma análise crítica, muito bem escrita, da história do capitalismo, do imperialismo e das razões das desgraças que hoje pagamos no terceiro mundo. O leitor sai do outro lado entendendo muito mais de toda essa história, do que a princípio nos parece obscuro, complexo, em conflito com a nossa realidade, e a mídia de desinformação quer confundir. É muito bom! Em Adriano o rigor é estilo, essência e razão de autoria, e não uma afetação ou disfarce acadêmico com que muitos autores do gênero, principalmente os pré-pagos, costumam mascarar escritos sem nenhum rigor histórico ou científico. Assim, a obra dele destaca-se no gênero, eleva-se ao patamar da literatura e conquista a dimensão e o valor dos textos indispensáveis ao conhecimento contemporâneo.

Gazeta em forma de e-meio 15 (14/11/2007)

Paisagem de Curitiba

O jogo foi rápido, mas valeu. Lembrou-me um pouco as viagens que eu fazia no noturno Santa Cruz, quando morava em São Paulo. O trem ia pelos subúrbios paulistas o tempo todo, aquela feiúra poluída, era como se víssemos as cidades pelo lado avesso. Uma cenografia infernalmente noturna até a decida da Serra do Mar, já amanhecendo. Aí, era o refresco! Enfim, lindas paisagens rurais iluminavam e aliviavam nossas existências, pela janela da cabine-leito. Mas isto era por pouco tempo. Logo entrávamos na feiúra diurna dos subúrbios cariocas virados pelo avesso, até a estação da Central do Brasil.

Essa ida a Curitiba foi como o refresco da Serra do Mar. Uma passagem rápida pelo Brasil que queremos, por entre o Brasil que vivemos. Curitiba já se distanciou deste e caminha firme em direção àquele. Cheguei na madrugada e acordei cedo, sempre muito bem assistido pela gentileza que não pede nem espera gorjeta do pessoal do Hotel Lancaster, um bem conservado exemplo do requinte e da arquitetura da década de 40, onde Getúlio se hospedava quando ia por lá. Café da manhã com Beto Almeida, Iraê Sassi e a negra Maria Palmira, que estava lá para outro programa da TVE-PR. No carro da TVE, comecei a sentir a diferença e o alívio de uma paisagem urbana civilizada, sem pressa, limpa, com muitos ônibus e poucos carros, poucos edifícios altos e muito casario de boa qualidade. Íamos do centro para o bairro, até a sede da TVE.

Os estúdios da TVE do Paraná me deixaram boquiaberto, e olha que conheço muito estúdio de TV por este país afora. A maioria se assemelha a cortiços labirínticos, atravancados e cheios de gente apressada e sem educação. Mas a TVE-PR não, tudo rola numa melhor, na maior competência, e o monumental conjunto arquitetônico é arejado, amplo e bem servido de luz do dia. Dá vontade de trabalhar lá. O produtor do Brasil Nação disse-nos que a TVE-PR é mais espaçosa e mais bem equipada que a Globo. De fato, tudo lá impressiona, até o formato dos programas. Tive a honra e o prazer de debater com os professores Pedro Roberto Ferreira, da Universidade de Londrina, e Valério Arcary, da Universidade de Porto Alegre, e com o diretor da TV Comunitária de Brasília, Iraê Sassi, sob a condução de Beto Almeida. Uma hora e meia de debate! Três blocos de meia hora cada um! Quem já viu uma coisa dessas neste país? O assunto? A Revolução Russa e as revoluções do século 21! Nenhuma censura, nenhuma advertência prévia, nenhum “conselho-de-amigo”. Só não vale ser reacionário. Foi muito bom, nos deixou a todos muito satisfeitos, a ponto de sairmos juntos para um almoço-comemoração no Cascatinha, um restaurante italiano que fica dentro de um lindo parque do famoso bairro Santa Felicidade. Santa Felicidade! Comemos e bebemos como se a própria mamma estivesse nos servindo.

Retornei ao hotel e dei um pequeno e tranqüilo passeio à pé pelo centro da cidade, até a hora em que o carro veio nos buscar para levar-nos ao aeroporto. Perguntei ao motorista pelas favelas, onde estavam elas que eu não vira uma sequer? “Viraram bairros, respondeu-me. E, apontando um conjunto de pequenas casas à margem da avenida: - ali, por exemplo, havia uma das grandes. Ainda há favelas em Curitiba mas, estão todas em processo de urbanização”. Que viva Requião! – penso eu.
No aeroporto de Curitiba desfrutei de uma espera rara em minha vida. A bela arquitetura de vanguarda oferece uma vidraça imensa diante de um grupo de confortáveis poltronas das quais o passageiro, como num cinema, pode curtir a pista de cabo a rabo, tendo por fundo uma paisagem verde, infinita, fascinante, com montanhas azuladas no horizonte e um céu formidável. Fiquei ali um boa meia hora dividindo a atenção entre a paisagem magnífica, a música de um piano sensível que liberava partituras suaves de Debussy, o livro de Simon Bolívar com que Beto me brindou e a movimentação tranqüila das pessoas que circulavam à vontade pelo grande saguão, falando baixinho. Percebi que os letreiros e os avisos eram somente em português e espanhol. Bom sinal bolivariano, pensei. Ao ir à sala de embarque, passei por um pequeno palco onde o pianista executava, ao vivo e para todo o aeroporto, as músicas que, pensava eu, fossem de uma gravação que eu não conhecia. Aguardei que terminasse a música que tocava para cumprimentá-lo e agradecer-lhe.

Depois embarquei de volta ao caos do infernal transporte aéreo nacional para o mesmo sofrimento e a mesma penitência das conexões aeroportuárias que paguei na ida. Na ida, em Guarulhos, na volta, no Galeão, ambos parecendo gigantescas, barulhentas e imundas rodoviárias da década de 60, onde os passageiros purgam atrasos de três horas em média, servidos de banheiros fétidos e sendo assaltados em lanchonetes chinfrins. Sem falar das aeronaves sambadas que nos transportam, onde nos servem um pacotinho de amendoim e um copo de refrigerante para cada percurso.

A coroa nervosa ou o coroa nervoso, tanto faz.
A Europa continua a apresentar graves sintomas de esclerose continental. Outro dia, foi o navio negreiro aéreo francês, de nome Arca de Zoé, tentando raptar crianças do Chade, na África. Agora, na reunião dos presidentes de países íbero-americanos, que se encerrou domingo passado, em Santiago do Chile, foi a vez de Sua Majestade, o Rei d’Espanha, Don Juan Carlos etc de Bourbon, surtar, num súbito retorno ao passado colonial diante das câmaras do mundo, quando deu um inusitado “Cala a boca!” no que ele imaginou ser a sua vassalagem latino-americana, ali representada pelos indígenas Hugo Chávez (caribe), Evo Morales (inca) e Daniel Ortega (maia), que ousavam abrir a boca diante de Sua Majestade a falar de revolução e outras heresias. Bem que o premiê da Espanha, o Zapatero (que o Rei pensa que é o sapateiro dele) fez aflitos sinais para Chávez – que falava naquela hora, de um lugar de onde não podia ver Sua Majestade – como quem diz: “Vai com calma, que o coroa hoje está nervoso!” Fidel Castro disse que aquele dia, sábado, 10 de novembro de 2007, passará à história como o Dia da Verdade. Segundo ele, o “Cala a boca!” real foi um “Waterloo ideológico” e, “naquele instante, todos os corações da América Latina vibraram”. Furiosos e unidos pela indignação, por certo.


Web Cult

Meu amigo Sávio Grossi enviou-me um e-mail que, pela importância e a qualidade de informação, a Gazeta publica na íntegra:

Mário,
Passou por aqui – Belo Horizonte, perto da Venezuela – a teia de cultura. Não mergulhei fundo, fiquei no rizoma dos eventos, até porque a extensa programação – paralela e simultânea – exigia o dom da ubiqüidade. Aconteceram coisas importantes que bem mereciam o olhar do gazeteiro: audiovisual e práticas educativas na sociedade do espetáculo, olhares contemporâneos sobre cultura e educação, cultura livre e acesso ao conhecimento, mostra humanista de teatro, arquitetura vernacular, corpo pra que serve, varau grafitado, estética amazônica, farta mostra de filmes e documentários, espetáculos de teatro, música e dança, oficinas, happenings, plenárias, presença de comunidades indígenas e ciganas, diversidade (palavra da moda) e o escambau.

Foi o segundo encontro nacional dos pontos de cultura, nova aparelhagem instituída pelo ministério da Cultura, com o patrocínio da Petrobrás. Veio gente de todo o Brasil, inclusive o ministro Gil. O homem é generoso: dialogou por longas horas com os donos dos pontos de cultura no escaldante galpão da casa do Conde. Não faltou quem lançasse sua candidatura à presidência, proposição que o ministro nem acolheu nem rejeitou, sinal de que está topando o jogo. É de dar pena vê-lo, prolixo por natureza, tentando harmonizar sua retórica na dupla condição de artista de palco e ministro de governo. Falou em autonomia, em autogestão – “cada um faz o que quer e o que pode querer”, afirmou que a Sony e outras multinacionais estão democratizando a tecnologia digital, pela simples razão de que qualquer técnico tupiniquim competente em eletrônica pode abrir um celular original e fazer outro igual. Certamente nunca foi intenção da Sony democratizar o uso de seus engenhos, mas a pirataria, ou a apropriação indevida, continua sendo a grande arte e manha dos oprimidos.

Sobre os pontos de cultura, o jornalista e escritor Marcelo Rezende escreve no caderno “Cultura e Pensamento”, editado no bojo da teia: “Apropriar-se do espaço é toda uma questão para a estética e um desafio imperativo para a política”. E, citando Ligia Nobre: “As atuações dos movimentos sociais questionam a noção de propriedade, a retenção, a especulação imobiliária e as desigualdades de longa data de nossa sociedade”, pergunta como, nessa perspectiva, se pode imaginar o processo de apropriação dos aparelhos de cultura pelos artistas, produtores e agentes culturais.

Por tudo o que se viu, fica claro que a questão da cultura está hoje colocada nos termos da produção e do consumo. Como queria FHC (toc,toc,toc, lembram?: “O sistema é progressivo, ou progressista, como queiram, porque incorpora as massas ao consumo”), não existe sociedade, existe mercado. E as elites seguem dizendo que toda porcaria é fruto da má educação do povo.

Só não dizem que o lixo irreciclável não é responsabilidade única de quem consome, mas sobretudo das elites produtoras que despejam toneladas de supérfluos e outro tanto de propaganda de supérfluos sobre a massa consumidora. E não estou falando de quem produz sabonetes e automóveis, mas principalmente de quem se arvora a produzir cultura – lixo, muito lixo, feito por gente que não consegue ler um poema sem arrepiar os cabelinhos do cu.

Para dar fé à hospitalidade mineira, coube-me ciceronear os paraibanos Durval, Oto e Zé Guilherme (haicaista, cineasta, cantador), que babaram com o chouriço do bar do Careca e as bugigangas do mercado central.

Abraço,
Sávio

Ainda bem que Sávio cumpriu, para nós, o sacrifício dessa missão de entrar e sair da tal teia sem ser pego pela aranha tatanha que a fiou. Pelo que fiquei sabendo, Sávio parece ter perdido a cena final, em que Gil se viu perdidão quando alguém o questionou, em público, sobre a violenta perseguição policial às rádios e TVs comunitárias, neste governo. Ah, mas Gil é a favor de pirataria via Sony. Pois, sim! Só mesmo tomando umas com os paraibanos, muito merecidas, no bar do Careca. Porque este gazeteiro já perdeu a paciência para esses eventos chapa-branca. Não dá! Já não me cheiram bem nomes tais como “teia”, “rede”, “web”, isto é, armadilha, coisa que prende, cerceia, oprime, seja ela “progressiva” ou “progressista”. Usam até “cadeia” (de rádio e TV), quer dizer... tô fora! A Gazeta prefere a comuna, como a nossa pequena comuna de leitores-escritores, sem compromissos, sem burocracias, sem pressões nem imposições. “Só a antropofagia nos une! Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.”



Abraços

Mario Drumond


Revisão: Frederico de Oliveira (para quem curte textos bons e bem escritos, recomendo o blog de Frederico – O Apito - no endereço http://www.thetweet.blogspot.com)

Gazeta em forma de e-meio 14 (9/11/2007)

A Gazeta andou devagar esses dias, por viagens do gazeteiro e, também, por uma preguiça danada dele, em dias de ócio meditabundo e criativo, nem sempre otimista. Contudo, retorna com uma boa notícia: foi convidado por Beto Almeida para debater Revolução Russa e Revoluções do Século XXI no programa Brasil Nação da TV Educativa do Paraná, em Curitiba, para onde segue hoje (sexta) à noite. Tô falando que Requião tá ligado!(*)


Interesse na Venezuela

Leitores têm questionado o evidente interesse deste gazeteiro na questão da Venezuela. Respondo que o interesse não é só dele, é do mundo inteiro. O mundo está de olho na Venezuela! E o principal motivo é que lá se está realizando, na prática e pela primeira vez na história, o que até então nunca passou de pura teoria: o poder popular, isto é, o socialismo real.

Circunstâncias históricas adversas e conjunturas externas e internas às sociedades que buscaram o socialismo, desde o início do século XIX, sempre impediram que nelas surgisse uma realidade de fato socialista em conformidade com as bases teóricas que vêm sendo levantadas e debatidas pelos mais eminentes sábios dedicados ao tema nos dois últimos séculos e, em particular, no que diz respeito ao que poderíamos chamar de síntese paradigmática do socialismo, que é o poder popular. Os casos de Cuba, Vietnam, Coréia do Norte, China, URSS e, se quisermos ir mais fundo na história, até os das repúblicas sul-americanas libertadas por Simon Bolívar, são exemplos clássicos dessa busca. Mas não lograram alcançá-la completa e vitoriosamente. Porque o capitalismo estava lá, poderoso e capaz de pôr freio à história. E ainda está aqui, mais poderoso ainda. Em alguns países e regiões, o caminho rumo ao socialismo se frustrou e seus povos esperam nova oportunidade histórica; em outros, seus povos ainda não teriam chegado lá.

Mas o mago da estratégia política e militar que se chama Hugo Chávez soube driblar todas as condições adversas e as poderosas defesas do capitalismo. E marcou um golaço!

Se nos alongássemos, teríamos um livro e não uma gazeta. Dezenas de livros foram escritos sobre a Venezuela nos últimos cinco anos, e outras centenas estão sendo escritos neste momento (este gazeteiro acaba de finalizar um) em paralelo aos milhares de ensaios, teses, artigos e reportagens que diariamente são publicados por veículos sérios e de resistência dos quatro cantos do planeta, como frutos de pesquisas competentes e vivências em profundidade. Em todos, há um elemento comum: o desmascaramento e a contestação radical da mídia hegemônica, que se pretende a forjadora da “matriz global de opinião”.

Exemplifico aqui com apenas um parágrafo, colhido ao acaso em artigo da jornalista Maria Sentís, publicado em 1/11/07, no site Rebelion, que traduzo: “Os recorrentes ataques contra a proposta de reforma da constituição venezuelana são somente o penúltimo capítulo de uma série de desclassificações viscerais, nascidas em sua maioria do interminável imaginário de fontes anônimas e do anedotário mais fútil perante o processo protagonizado na Venezuela por Hugo Chávez. Dentro dessa maré, muitas vezes se cai na torpeza de desqualificar um processo apoiado nas urnas com porcentagens entre 60-70%, em função unicamente de critérios formais e por pura alergia a uma estética, em lugar de valorizar os acontecimentos por seus conteúdo e transcendência, o que seria, ao menos, razoável.”

É que a Venezuela se tornou um assunto rico e importante demais para ser avaliado em função da propaganda e do jornalismo vulgares difundidos por empresas de comunicação interessadas em sabotar um processo que, pela primeira vez, põe de fato em risco a existência delas. Mas não a nossa, dos povos do mundo. As cabeças mais afiadas têm, pois, o dever de estar atentas à Revolução Bolivariana da Venezuela, que já influencia a cubana, a vienamita, a chinesa, a iraniana e a própria Rússia, além de se estender pela AL. Onde os povos sofridos da Bolívia, Equador e Nicarágua já se decidiram por ela, e outros, tão sofridos quanto, como é o nosso caso, precisam dela mais do que nunca.


Os quintas-colunas

O tipo não é exclusivo da América Latina, é universal. Celebrizou-se com este nome na Guerra Civil Espanhola, lá pelos anos 30/40. No Brasil, nós os chamamos também de “traíras”. São sempre reacionários, oportunistas e venais, fingindo-se de progressistas, desinteressados e probos. Geralmente, dão como cupins em madeira ruim nos espaços mais obscuros das burocracias estatais, inclusive as militares. Tais espaços lhes são propícios porque eles são, antes de tudo, uns fracos, uns covardes. Gostam muito das mesinhas, telefones, cafezinhos e outras infras custeadas pelo erário, e quanto mais próximas do poder, melhor para eles. São especialistas em sabotagens, boicotes, intrigas e demais atividades que não exigem estudo e trabalho, nem responsabilidades. Nunca construíram nada nem criaram coisa alguma, nem uma linha de texto sequer, exceto pelas miudezas narcisistas que beneficiam seus próprios egos mesquinhos e existencialmente miseráveis.

No caso da Venezuela, o quinta-coluna é, sem dúvida, o maior pentelho da Revolução Bolivariana. São os camaleões “quarta-república” que lograram manter-se em suas respectivas mesinhas no advento da Revolução.

Mas a atual reforma da Constituição Bolivariana, proposta por Chávez, os atinge em cheio. Retira-lhes, em definitivo, o poderzinho de que cada um deles ainda dispõe de postergar, de procrastinar, de retardar, de chantagear, enfim, de exercer a única atividade a que se adestraram bem, isto é, a de criar dificuldades para vender facilidades. E, já, a máscara começa a despencar-lhes.

Famoso, desde ontem, é o caso do general Raul Isaías Baduel, quase um ícone da Revolução, como o comandante de tropas que reverteram o golpe de Estado de abril de 2002, e que, inesperadamente “saltó la talanquera”, como lá se diz “pulou a cerca”.

Mas este gazeteiro não julgaria apressadamente o caso Baduel, porque aprendeu que Chávez e seu estado-maior dispõem de uma invejável inteligência estratégica, inclusive de contra-inteligência, que tem montado históricas arapucas para as mais poderosas artimanhas das oligarquias capitalistas que vêm tentado pegá-los desde o primeiro dia no poder.

Se eu fosse das oposições de direita na Venezuela ia ficar grilado com a súbita “conversão” de Baduel. Estaria Chávez nomeando até o novo e agora badalado comandante-em-chefe das oposições contra ele? De fato, não há como negar que Baduel, um velho de guerra, poderia funcionar como um perfeito cavalo-de-tróia colocado pela Revolução para detonar de vez a oposição de direita no país e seus aliados internacionais, e implantar uma nova oposição democrática, construtiva e crítica, da qual a Revolução vem necessitando, e muito. Não seria a primeira vez que Chávez apronta uma dessas.


Noel com prótese

O cinema brasileiro continua engatado na marcha a ré histórica em que enveredou a “quarta-república” neoliberal. O neoliberalismo no cinema é o mesmo da economia, ou seja, um “liberou geral” onde tudo pode, tudo vale, desde que seja a reboque da matriz (no caso, roliúde, no papel de uol-istrite).

Nada contra um cineasta de primeiro filme levantar grana para um filme sobre Noel Rosa. Mas tem de caprichar na pesquisa e no fazer cinematográfico, porque o tema já foi burilado e feito filme por um dos nossos maiores cineastas, que é Rogério Sganzerla. Não dá pra ignorar, muito menos fingir ignorar, a genialidade. Nem a de Sganzerla, nem a de Noel.

Mas o cineasta diz no jornal que leu um livro - só um! E achou o máximo botar uma prótese no ator principal “de forma a reproduzir na tela a deformidade facial do compositor”. Coisa de roliúde, é óbvio! Rogério não faria uma coisa dessas com Noel. O genial compositor, coitado, comeu um prego existencial por causa daquele fórceps mal puxado que o trouxe à luz. Se tivesse na época os recursos de hoje, ele seria o primeiro da fila para eliminar de si essa tal “deformidade facial”.

É um cinema brasileiro que não gosta do Brasil. E, como já disse alguém, quem não gosta do Brasil não me interessa.


Navio negreiro do Século 21

Enquanto a AL caminha para o Socialismo do Século 21, a Europa insiste em retrogradar no tempo histórico. A definição de Rodrigo Leste ao comentarmos o caso das crianças do Chade é perfeita: um navio negreiro, aéreo, em pleno Século 21! Acompanho pela TeleSur, desde a primeira matéria. Lá estava, no aeroporto do pequeno país africano, um grande Boeing da ONG francesa Arca de Zoé, ligada à primeira-madame Sarkosy, embarcando 103 lindas crianças “órfãs”, entre 10 a 15 anos de idade. Eis que uma autoridade chadiana desconfia daquela aeronave colorida, sem bandeira, sem chancela de empresa ou de coisa alguma, e resolve checar a documentação. Não bate nada com nada. A alegação de “missão humanitária” para levar órfãos desamparados do terceiro para o primeiro mundo começa a cair por terra. Os garotos não eram órfãos, eram sequestrados, e seus pais feito loucos à procura deles. Os franceses da ONG são presos junto aos espanhóis que tripulavam a aeronave. A investigação rapidamente revela a verdadeira “missão”, por entre os submundos sórdidos e macabros da pedofilia e do mercado de órgãos humanos, com envolvimento de muito peixe grande, ou peixes gordos, gauleses e ibéricos. É o escândalo! E, então, quem fica feito louco é o presidente francês, Sarkosy. Ainda bem que temos a TeleSur, porque a mídia hegemônica já começou a cair de pau na “criolada” do Chade. Mais um pouco e serão eles que estariam sequestrando suas próprias crianças para vender no “livre mercado” europeu.


Épocazinha que já era

Para este gazeteiro, a frase do ano é do atual presidente do Equador, Rafael Correa: “Não vivemos uma época de mudanças; vivemos uma mudança de epócas.”

A revista Época deu capa para Hugo Chávez esta semana, e seus diretores de “arte” se vangloriavam no próprio site da revista do “trabalho” gráfico bem-sucedido de deformação do rosto do líder - que segundo eles “tem uma cara gorda e simpática, não dá medo em ninguém” – para ficar com cara de mau e meter medo aos brasileiros, numa aberta manipulação da informação e numa demonstração clara de desprezo à inteligência de seus leitores. E ainda por cima se jactam da “façanha”.

Mas, em verdade, os dois “artistas” responsáveis pela “obra” só lograram refletir o desespero de seus patrões, que são os verdadeiros autores da “idéia”. Estes são de fato bem informados, e portanto já sabem muito bem que a época deles, a Época da Globo, já era!


Abraços

Mario Drumond

(*) O programa será transmitido pela RTVE-PR no domingo às 21h30 e será reapresentado na sexta-feira às 22h40. Para quem se interessar e não estiver equipado para vê-lo por TV a cabo ou parabólica, poderá fazê-lo via internet no site http://www.pr.gov.br/rtve

Revisão: Frederico de Oliveira (para quem curte textos bons e bem escritos, recomendo o blog de Frederico – O Apito - no endereço http://www.thetweet.blogspot.com)


Maru
Tá cada vez melhor, o nível informativo denso e revelador, um trabalho de utilidade indispensável. As questões que coloquei são as que confundiriam qualquer leitor. A bem da clareza, que deve ser o escopo dessa gazeteação de ótimo tamanho, vale dar uma sacada.
Abração
Fredera

Gazeta em forma de e-meio 13 (31/10/2007)

Requião, por que não?

No atual quadro de absoluta falta de perspectivas para as mudanças de que necessitamos com máxima urgência para chegarmos, enfim, ao século 21 e nos colocarmos mais próximos de nossos vizinhos mais adiantados, o governador do Paraná, Roberto Requião, é o único político de expressão nacional com potencial para quebrar essa paralisis. A direita sabe disso, e a existência de Requião foi simplesmente abolida da mídia. As “esquerdas” não sabem, ou não querem saber, mas isto não é novidade em nossa triste república. Porém, o importante é fazer chegar ao povo, às massas – que já devem ter percebido que o petismo e o tucanismo são faces de um mesmo Janus (ou Judas) –, a palavra de Requião, a começar do seu discurso de vitória nas eleições para o segundo mandato, contra todos os inimigos do mundo. Não mais é desprezível, nem no Brasil, o poder de comunicação das mídias de resistência, alternativas e comunitárias, e é por elas que muita informação de qualidade tem escoado até as massas, à revelia das censuras midiáticas. Requião e as mídias de resistência podem se dar bem, e penso que devemos trabalhar para que a idéia se fortaleça (para quem não conhece o discurso da vitória de Requião, segue a íntegra no arquivo anexo).


Os “quarta-república”

Tal como o corpo humano, o corpo social, tão logo se valha de boa saúde, põe-se a expurgar de si tudo o que é daninho, nefasto, estranho e antagônico, e lhe fora introduzido pela moléstia que por má ventura sofreu. Prosseguindo na observação das tipologias sociais que se estão agrupando e se evidenciando por verem-se expurgadas pela boa saúde que a sociedade venezuelana vem conquistando no processo revolucionário, vamos examinar uma que lá denominam “los cuarta-república”. Talvez não seja propriamente uma tipologia social, mas um grupo ou uma classe de pessoas que foi gerada, cultivada, alimentada e engordada nas malfadadas “democracias representativas” latino-americanas.

Na Venezuela, incluindo-se os oito anos do período Chávez, contam-se cinco repúblicas, e a atual é chamada de “Quinta República”. O movimento político que elegeu Chávez pela primeira vez foi o MVR (Movimento V República). No Brasil, se fizermos conta semelhante, estamos como na Venezuela antes de Chávez, isto é, na “Quarta República”, sendo a primeira a “República Velha”, de 1889 a 1930; a segunda, a “República Nova”, de 1930 a 1964; a terceira, a ditadura militar (que também era república), de 1964 a 1985; e, finalmente, a nossa “quarta república”, de 1985 para cá.

Assim como a nossa “Quarta República”, a homônima venezuelana caracterizou-se pela ideologia francamente liberal e neoliberal e por todas as desgraças que conhecemos bem, sendo a principal o mais absoluto domínio da nação (ou danação mesmo, se quiserem) por parte das oligarquias entreguistas e anti-nacionais, associadas a políticos e burocratas, em todos os níveis de hierarquia em que lhes fora concedido estabelecer-se nos três poderes constituídos e demais poderes de Estado, e a uma mídia de pensamento único, exclusivista, monopolista, forânea e hegemônica, abrangendo todo o território nacional.

Tudo sob as rédeas selvagens e ferozes do capital “pornovideofasciofinanceiropolicial”, como diria nosso querido amigo, o escritor Gilberto Felisberto Vasconcellos.

Boa parte dessa gentalha a Revolução Bolivariana da Venezuela já pôs fora do poder e os juntou numa só canalha mista de velhos oligarcas, políticos e burocratas dos outrora “grandes partidos” que se revezavam no poder, proprietários primários e secundários (testas-de-ferro) das empresas de comunicação, hoje quase falidas e sem audiência (já teriam desaparecido se não fossem os recursos aportados por Washington) e os agentes lacaios de sempre: militares fascistas, jornalistas venais, sindicalistas pelegos, celebridades apaniguadas, policiais torturadores, sicários, mercenários e etcétera. Parte da canalha reside em Miami, sob a proteção do Império, muitos deles foragidos da justiça venezuelana por traição à Pátria (golpes de Estado) e outros crimes políticos ou comuns. Uns poucos peixes grandes e pequenos estão presos, cumprindo pena na Venezuela. Outra parte, por certas peculiaridades desse processo revolucionário, vive muito bem obrigado no próprio país – um deles até como governador de um dos estados mais importantes –, em plena atividade conspiratória à vista de todos, e em permanente conexão com seus pares maiameiros. Ainda uma parte menor conseguiu, à maneira dos espertos camaleões, manter-se nas entranhas do processo revolucionário, e estes são os “quinta-coluna”, outra espécie que o laxante revolucionário está expurgando, e a que dedicaremos algumas linhas na próxima Gazeta.

Viciados de poder, a distância dele produziu em todos, sem exceção, a conhecida “síndrome de abstinência”, que, no caso, estertora em paroxismos, delírios e outras alienações tresloucadas que deixam vazar, sem constrangimentos nem pudores, pelos veículos de comunicação de que são proprietários. É uma das causas da audiência que ainda mantêm aqueles veículos – a comédia dos horrores, a ópera bufa dos desesperados, que eles protagonizam, sem cessar e sem censura, ao pasmo de abismados telespectadores.

São presidentes de partidos sem militantes nem votos, de sindicatos e entidades de classe sem filiados nem associados, bispos e cardeais de igrejas sem fiéis, dirigentes de ONGs sem funções, jornalistas sem leitores nem opinião, ex-senadores, ex-deputados, ex-governadores, ex-prefeitos, ex-presidentes da república, ex-funcionários de alto escalão, ex-militares do alto comando, ex-magistrados, ex-proprietários de terras infinitas, ex-capitães de indústrias e monopólios, ex-chefes de polícia, e todos os demais agentes vinculados, além dos próprios proprietários e acionistas de empresas de comunicação, antes risonhos, cordiais e felizes celebridades da “quarta república” e, hoje, bisonhos, rancorosos e furibundos ”cachorros do império” (como os designa Chávez), a babar diante das câmeras como cães raivosos da intolerância reacionária e senil, e a vituperar obsessivamente o governo, contra a “ditadura militar”, a “falta de liberdade de expressão”, o “autoritarismo” e outros clichês arranjados por suas agências de propaganda, além do vexame de estarem sempre a pedir, de joelhos e publicamente, pelo socorro de “Bush e seus marines”. É um espetáculo do gênero “terrir”.

O maior problema deles agora é que as mídias revolucionárias sacaram o lance e começaram a selecionar e a reproduzir os “melhores momentos”, adicionando-lhes engraçados e criativos recursos de edição audiovisual, sublinhando o histrionismo dos quarta-república e fazendo despencar ainda mais a insignificante audiência que mereciam. “Chávez los tiene locos” – dizem os venezuelanos.


A idiotice de todos os tempos

De um dos meus filhos recebi o seguinte e-mail:

Pai, achei essa pérola no blog de um autor de novelas da Globo:

“Sim, Luciano Huck faz parte da ‘elite branca’, e sob nenhuma hipótese deve se envergonhar disso. Ele faz parte dela porque trabalha de sol a sol, e paga altíssimos impostos, sem os quais a ‘elite preta’, não muito chegada ao trabalho, não estaria recebendo as benesses do bolsa família. (e não me chamem de racista, por favor, não estou falando de negros, estou falando da oposição aos que são como o nosso querido Huck). Aguinaldo Silva”

Não conheço nenhum desses dois personagens, mas, pelo que pensam, devem ter sido “inspirados” em dois idiotas do Século XIX, com ambientação atual. Também os idiotas pensam, e deixam documentos e rastros históricos - e como! Quando digo pensam, no plural, o faço em dúvida, porque o idiota que assina a nota pensa para si e para o idiota a que se refere, sabendo, com certeza, que o idiota referido não detém essa faculdade, ao ponto de pagá-lo para isso. A redação é tão ruim e tão despudorada que nem se peja dos cifrões que saltitam luminosos nas entrelinhas. Os mesmos que saltitam nos bolsos do tal autor de novelas.

Depois dessa, pelo menos aprendemos que a idiotice nacional é dividida em dois grandes partidos das elites: os “que são como o nosso querido Huck” (a “elite branca”) e os que são “da oposição” (a “elite preta”). O cara não disse para não chamá-lo de racista? Puummm!!!


O novo matriarcado

“- As mulheres vão salvar o mundo” – disse Chávez ao cumprimentar a senadora Cristina Fernández por sua bela vitória nas eleições de domingo passado, para a Presidência da República Argentina. Ela prefere que a chamem assim, Cristina Fernández, ou, simplesmente, Cristina, mas, sendo esposa de Nestor Kirshner, o atual presidente, ela é Cristina Fernández de Kirschner, ou , para as oposições, Cristina Kirschner.

Chávez está de olho na promessa que a futura presidenta lhe fez recentemente, ainda como primeira dama (ela detesta este título, prefere o de senadora) e candidata, de aprofundar as reformas moderadas do marido e as relações com a Venezuela e a Revolução Bolivariana. Chávez apoiou publicamente a sua candidatura, o que acirrou ainda mais o ódio dos poderosos conservadores e da mídia argentina contra ela, o seu marido e tudo o que tem significado recuperação e progresso naquela outrora grande nação.

Toda a AL está de olho na audaz e corajosa Cristina, uma senadora rebelde e agitada que, há quatro anos, levou o marido à presidência da República, largando da posição de azarão como governador da província de Santa Cruz (o Piauí de lá), na longínqua Patagônia. Com data marcada para assumir a Presidência da Argentina em dezembro próximo, ela é uma promessa feminina no poder que todos desejam seja mais para Eva Peron do que para Rainha Cristina (mesmo sendo bela, não é nenhuma Greta Garbo). E que não negue fogo como, até o momento, foi o caso da presidenta chilena Michele Bachelet, o que, para Cristina, uma vez que é esposa de ex-presidente, a rebaixaria a uma Hillary Clinton latina.

-o-o-o-o-o-o-o-

Mas a candidatura assumidamente bolivariana dessa eleição na Argentina foi a do grande cineasta Fernando “Pino” Solanas (La Hora de los Hornos, 1968, O Exílio de Gardel, 1985, entre muitos outros) que, sem fazer campanha (fez um novo longa, Argentina Latente) e se posicionando apenas simbolicamente como candidato a presidente da República, ficou em quinto lugar entre os 14 concorrentes, com quase 300 mil votos contados até agora, perdendo somente para os candidatos das coligações de partidos tradicionais ou do poder e que gastaram os tubos na propaganda de suas campanhas.

Valeu, Solanas, parabéns. Não vi ainda o novo filme, mas gostei muito.


Abraços

Mario Drumond

Revisão: Frederico de Oliveira (para quem curte textos bons e bem escritos, recomendo o blog de Frederico – O Apito - no endereço www.thetweet.blogspot.com)

Gazeta em forma de e-meio 12 (25/10/2007)

Mad Man

É visível a preocupação dos mais próximos quanto à saúde mental de George Bush. A boataria corre solta. Dizem que em Camp Davi ele anda pelo campo de golfe, com as mãos para trás e falando sozinho, à Napoleão. Quem o ouviu nesses momentos disse que são falas ininteligíveis entremeadas de especulações quanto a nomes de condes e barões que pretende nomear para os reinos de Cuba, Venezuela e Bolívia. Assessores ficam assustados ao ouvi-lo sobre as belezas da reconstrução do Iraque e as virtudes da democracia que lá foi implantada. Agora cismou com a “reconstrução de Cuba”. Teria sido Cuba, destruída? Para ele isso não importa, se não foi, ele manda destruir, pois o que importa “é a reconstrução e a democracia”. Anda fazendo coisas que nunca fez, pegou mania de pôr a mão nas coxas do interlocutor (homem ou mulher) e sussurrar-lhe elogios picantes aos perfumes que usam, ao corte do cabelo, detalhes de roupas, etc. Há rumores de que um antiquário de Washington foi consultado por um funcionário da Casa Branca a respeito de uma lira, do tipo da que Peter Ustinov usou em Quo Vadis, no papel de Nero. Bush está ensaiando seu gran finale, quando incendiará o mundo e tomará o veneno: “- Que grande artista morre comigo!” – dirá, tragicômico, seguindo o velho script. A família tenta disfarçar mas já procura pelo manicômio em que se dará a estréia. Amigos e aliados preparam-se para pular do barco.


Ainda no cinema

Meu filho disse-me que muitos bateram palmas para cenas de tortura na sessão de um filme da moda, que ele foi ver... Que o cineasta irresponsável não pense que as palmas foram para sua “obra”. Eram para os torturadores. Um boçal que aplaude tais coisas nem sabe que é só um filme, ele acha que o que vê na tela aconteceu mesmo. Faz tempo que não vejo filme comercial, devem ter colocado mesinhas nas costas das poltronas, como nos aviões, senão, onde puseram o saco de pipocas e o balde de coca-cola para poderem aplaudir?

“- O mundo é dos boçais!” - dizia, sem parar, ao invadir a Terra, o comandante dos extra-terrestres (Wilson Grey) de um filme do meu saudoso amigo Rogério Sganzerla.

Deu muita discussão minhas últimas notas sobre cinema brasileiro e acho que preciso esclarecer uma coisa. O vocábulo cinema tem hoje um significado diferente daquele a que me acostumei, daí, talvez, a dissintonia. Na minha juventude, o cinema era visto e discutido como obra de arte. Para nós, o “cinemão”, o filme industrial/comercial, de consumo e entretenimento, tinha a mesma importância de uma roda gigante de parque de diversões. Gostava-se na infância e até na adolescência. Na juventude, aguentava-se, pela chance de dar um sarro na namorada durante a sessão (ou giro). Não tenho mais idade para isso.

Mas, não me venham com a lenga-lenga de que o “povão” precisa entender os filmes, que o cinema de autor é coisa de elites intelectuais, e outros clichês que volta e meia retornam a esse papo bizantino. Aqui em BH, junto com o tal “povão”, já enfrentei filas longas, memoráveis, de dobrar quarteirões, para entrar em sala de dois mil lugares (cinco sessões por dia, todos os dias, e os filmes ficavam meses em cartaz em três ou quatro grandes salas) para ver Antonioni, Glauber, Pasolini, Sganzerla, Godard, Cony Campos, Resnais, Walter Lima, Hitchcok, Mauro, Kubrick, Cavalcanti e outros mestres da melhor arte cinematográfica, nacional e importada. Quem nunca entendia o cinema dos mestres eram os babacas das classes altas que estudavam em colégio de padre porque tomavam bomba nos colégios públicos. Parece que agora fazem o que chamam “cinema”.


Os dissociados

Outra das tipologias sociais que agora se destacam na revolução bolivariana da Venezuela, em processo de radicalização, é a dos que eles chamam disociados (de la realidad). Como observei na última gazeta, sobre os “esquálidos”, não são tipologias típicas daquele país. Existem em todos os países da AL, só que dissolvidos no todo social. Porém, o fenômeno venezuelano fez com que se isolassem e se agrupassem em conjuntos bem nítidos, portanto, mais fáceis de serem observados e estudados. O que faz esse gazeteiro é observá-los e sugerir aos competentes a estudá-los, não porque sejam interessantes em si mesmos, mas porque, numa revolução libertária, eles parecem se tornar uma espécie em extinção. E é no “como” isto se dá que este gazeteiro intui o interesse e a substância da matéria do estudo.

Bem diferentes dos esquálidos, em que quase todos pertencem a uma só geração (a minha geração), possuem um tipo físico predominante e são bem preparados intelectualmente, os dissociados fazem uma fauna mais rica, onde, com clareza, se distinguem tipos diversos de gerações distintas, entre os quais se destacam jovens estudantes de escolas particulares (colégios e universidades), solteironas de meia-idade e velhos aposentados. Em geral são feios e emburrados. O que, em princípio, parece comum a todos, é o fato de não precisarem trabalhar, terem as manhãs e/ou as tardes livres, e serem frutos bem acabados da ideologia da mídia hegemônica (o pensamento único ou o não-pensamento).

São incapazes de pronunciar um só parágrafo inteligível, de improviso e com correção gramatical mínima, e, em bando, comportam-se como gado, sem saberem sequer, numa passeata transmitida ao vivo por todos os canais de TV, para onde estão indo e o que vão fazer lá. Não estou fazendo figura de retórica, é famoso na Venezuela o caso de uma jovem que, durante a passeata, foi entrevistada por um repórter. Ao ser perguntada para onde se dirigiam e o que iriam fazer, ela respondeu que não sabia e, sem saber também o que mais dizer, começou a repetir como papagaio a palavra-de-ordem da libertad de expressión.

Os dissociados vem se manifestando isoladamente desde o início do atual governo revolucionário, época em que ganharam este apelido, mas apareceram pela primeira vez, como grupo, em amostra visível, substancial e bem definida, no processo recente do célebre caso RCTV (que era a Globo de lá), em maio passado, no qual a revolução não renovou a concessão daquela rede televisiva para emissão em canal aberto. Chegaram a reunir, então, cerca de 30 mil deles numa passeata contra-revolucionária, na maior amostra até hoje verificada. São organizados e dirigidos por agências de publicidade contratadas pelo Departamento de Estado dos EUA, através de ONGs e veículos de comunicação privados que financiam na Venezuela.

Com a saída de RCTV do sinal aberto, não logram mais reunir, em uma manifestação, nem 1% (um por cento) do maior agrupamento já conseguido de dissociados, o que ficou demonstrado em recente convocação, por parte de 22 organizações de oposição, envolvendo ONGs, veículos privados impressos e eletrônicos e diversos partidos políticos, que, para surpresa das autoridades que destacaram 1.200 policiais para a proteção dos manifestantes, só reuniu cerca de 300 dissociados.

Na terça-feira passada, dia 23, promoveram uma “grande marcha” até a Assembléia Nacional convocada com antecedência de mais de 15 dias, “em protesto contra a atual reforma constitucional em direção ao socialismo”, que lá se debate. A concentração, numa praça de Caracas, foi um fracasso tal que os partidos políticos, as ONGs e até os veículos privados tiveram de levar contingentes próprios ao local, além de baderneiros profissionais contratados às pressas, para que a passeata enfim se realizasse com cerca de duas mil pessoas. Foi liderada por John Goycochea e Stalin (que ironia!) Gonzalez, dois “líderes” estudantis que, durante as férias, fizeram curso intensivo na CIA de Miami e voltaram ambos vinte quilos mais gordos. Durante a “marcha”, eram os únicos que podiam falar, e mantinham seus celulares permanentemente no ouvido para receber o roteiro e as instruções do “comando central”, isto é, a Agência ARS de Publicidade. Espernearam, chutaram os polícias, berraram e estertoraram sandices pelos microfones dos canais privados e públicos. Foi ridículo. São eles os inimigos que toda revolução pede a Deus.


Bandido errado

As tevês nacionais e as polícias estaduais estão procurando o bandido errado no lugar errado, e metralham favelas de helicópteros. Aqui em Minas, todos conhecemos os três maiores bandidos do estado, e todos sabemos que eles moram em palácios, mansões e condomínios fechados, cercados de guardas armados de metralhadora. Quando não estão em helicópteros ou aviões, transitam em comboios de carros blindados, cheios de seguranças de terno preto e óculos escuros, armados até os dentes.

Seus nomes são Aécio Neves, Eduardo Azeredo e Marcos Valério. O primeiro é governador do Estado, o segundo foi governador e o terceiro quer ser o próximo, se possível. São crias do bandido maior e velho chefe de gang (capo), forjado nas mais célebres escolas de máfias do “milagre” da década de 70, chamado Walfrido dos Mares Guia, atual coordenador político do governo federal e, segundo Adriano Benayon, vínculo principal (testa de ferro) das máfias internacionais e multinacionais atuantes no país.

As organizações que chefiam assaltam, diuturna e sistematicamente, todos os cidadãos do estado e do país, em particular os das faixas mais pobres da população, através de um sem número de tarifas, taxas, impostos abertos ou embutidos e outras cobranças várias (aqui em Minas, além de pagarmos as contas de luz e de água mais altas do mundo, cobra-se até pelo direito a presença de Corpo de Bombeiros em caso de incêndio na residência, e não estou me referindo à já conhecida “taxa de incêndio”), a maioria sem nenhum respaldo legal nem constitucional, uma delas, inclusive, de nome CPMF, consiste num imposto que todo cidadão é obrigado a pagar sempre quando paga qualquer coisa através de conta bancária, até mesmo quando paga outros impostos.

Bem, a dica está dada, é só ir lá, pegar e prender, já que vocês da polícia-TV são fodões, mais que os rambos e chuasnéguers de cinemão, tal como nos demonstraram outro dia ao metralhar pobres e crianças numa favela do Rio. Desta vez, nem haverá necessidade de levar helicóptero e metralhadora, eles não vão resistir à bala mas, à advogado.

Se virem, mexam-se, queremos ver tudo pela televisão.


Abraços

Mario Drumond

P.S. – Frederico de Oliveira, o revisor da Gazeta, está fora do ar (está uma arara, a Cemig, “a melhor energia do Brasil”, queimou seus dois computadores e ainda lhe mandou uma banana quando reclamou). Peço desculpas ao leitor pelos trancos.