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Gazeta em forma de e-meio 31 (10/4/2008)

O debate prossegue

Um aporte de Sergio Santeiro incrementa o debate que iniciamos nas duas últimas Gazetas:

“Se debate é bom, acho que é preciso repensar esse esforço esforçado exagerado de identidade com a America espanhola, nem na União Européia. Os países ou estados-nações são uma fraude da escalada capitalista geralmente unificando na marra povos que têm cada um sua autonomia, história e culturas.

“Espanha, Portugal, França, Alemanha, Africas e Américas fariam melhor se libertassem seus diversos povos e etnias porque senão vai ter que ser na marra mesmo, como se tem visto.

“No caso do nosso continental e absurdo Brasil, esse colosso, contarei em seguida uma fábula glauberiana como sempre da melhor inspiração, aguardem.

“Sou mais o mais fundamental conceito dos anos sessenta: a autodeterminação dos povos o que pode gerar uma corrente de solidariedade entre eles ao invés da supremacia territorial e política autofágica dos direitos dos cidadãos comuns e livres.

“Podemos ser irmãos de fé ou consciência sem o blefe das sociedades de nações para melhor gáudio da supremacia de algumas poucas sobre as tantas outras. Esse papo pode render. S.”

Apesar da primeira sentença um tanto exagerada, que fala de uma “identidade” com a América espanhola que ninguém tocou, “nem na União Européia”, Sérgio aporta um ponto crucial ao debate: a origem capitalista das fronteiras (internas e externas) das nações. No Brasil, todos sabemos que os atuais Estados tiveram os limites desenhados no desenrolar de um processo histórico que teve por base as tais “Capitanias Hereditárias”, espécies de feudos d’além mar, entregues a aventureiros proto-capitalistas com objetivos puramente imperialistas e recortados nos mapas sem nenhuma noção da realidade étnica, geográfica ou histórica do “Novo Mundo”, como então nos consideravam, nem da idade da terra.

É bom que déssemos agora um foco mais preciso à essência deste nosso debate: a estratégia continental latinoamericana de enfrentamento com o Império em sua fase derradeira de decadência, o que o torna especialmente perigoso, inclusive à sobrevivência humana mesma no Planeta Terra.

À parte as opiniões, filiações ideológicas, conceitos e idiossincrasias de formação intelectual, acadêmica ou não, de cada um de nós, é mistér levar em conta o processo mais avançado de resistência possível que se leva a cabo em nosso continente e cultura latinoamericanos: a Revolução Bolivariana da Venezuela e a doutrina do Socialismo do (ou no, tanto faz) Século 21, que se extendem já até a Bolívia, Equador e Nicarágua, respingam em muitos países, apavoram as oligarquias de todos eles, assustam de fato o Império e incorporam a experiência histórica da Revolução Cubana em suas maiores conquistas.

Se ficarmos a discutir cartões de crédito de ministros, a “morte de Izabella” (ou da Lady Di), os caucauses e as primárias nos EUA e outras bobagens que a mídia injeta a diário no repertório dos “interesses” nacionais, não só estaremos perdendo um tempo precioso como ficaremos muito para trás no debate que se trava, acirrado e fecundo, em níveis continental e mundial da resistência anti-imperialista. Já temos de “correr atrás”.

Só para dar uma idéia, em relação a este tempestivo aporte de Santeiro, já vai longe o debate na Venezuela sobre “a nova geometria do poder”, que foi inclusive um dos pontos mais importantes do referendo constitucional que se travou na Venezuela ano passado.

Trata-se da organização do Estado (e não a divisão, do ultrapasado conceito de Estado feudal-capitalista, mas ainda vigente) em comunas, municípios comunais e regiões socialistas que se estabelecem não por territórios demarcados num mapa por poderes políticos, econômicos ou militares, mas por afinidades históricas, geográficas, produtivas, culturais e sociais, todos, desde a célula elementar (o “conselho comunal” em lugar da “família”), com funções integradas e complementares nos contextos regionais e nacional, tal como os diversos órgãos de um corpo vivo.

A diferença em relação ao socialismo clássico é que o conceito de propriedade não fica restrito à propriedade estatal mas evolui em direção aos conceitos de propriedade coletiva e propriedade social, sem contudo, abolirem a propriedade privada e a propriedade estatal.

O Socialismo no Século 21 não pode repetir erros históricos que acabaram por estigmatizar a ideologia socialista como o menosprezo ou mesmo a abolição do indivíduo e de sua personalidade particular enquanto atores históricos influentes, nem crê no paradigma anarquista da abolição do Estado – proposta originária de um desaparecido mas humanista anarquismo -, pois hoje a anarquia é uma prerrogativa ideológica dos governos macabros dos EUA e seus governos asseclas igualmente macabros.


Abraços

Mario Drumond


Revisão: Frederico de Oliveira (para quem curte textos bons e bem escritos, recomendo o blog de Frederico – O Apito - no endereço http://www.thetweet.blogspot.com)

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