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Gazeta em forma de e-meio 47 (9/7/2008)

Um “grupo” da província para o mundo

Acabou de acontecer aqui em BH um Festival Internacional de Teatro (FIT). Gastamos uma baba para trazer “grupos” escolhidos mundo afora e por acá. Vieram, devem ter feito uma boa farra, mas não deu samba. Também, pudera: botaram uns franceses para batucar na Praça do Papa e depois soltaram fogos de artifício. Só não explicaram o que tem isso a ver com teatro. Vi na mídia que o público “gostou” muito do FIT.

“Gostar”/”Não gostar”, eis a que se reduziu toda a dialética e a crítica de arte na mídia brasileira. A ninguém se dá notícia se algo ali comoveu, subverteu, transgrediu, angustiou, alegrou, transtornou ou transformou. A arte como se fosse uma espécie de bombom: “Gostei”/”Não gostei” – é tudo!

Um certo veículo de imprensa (nacional) uma vez pediu a este gazeteiro que entrevistasse um “grupo” de não-sei-o-quê que estava por aqui, para um evento chamado Teia. – “Como se faz para entrevistar um grupo?” – perguntei – “todo grupo tem seu Garrincha, seu Pelé, me dê o nome de um que se destaque para eu procurá-lo.” Mas, neca, o pessoal da redação só sabia o nome do grupo, mais nada. Depois de alguma “pesquisa”, enviaram um emeio dizendo que o tal grupo não tinha destaques, “eram todos no mesmo nível”, e que eu podia entrevistar qualquer um. – “Então deve ser um grupo de micos amestrados ou de robôs” – respondi – “eu não sei entrevistar irracionais, é melhor acharem um jornalista mais ‘contemporâneo’ para o trabalho.”

Tô nessa, não! Na minha época, “grupo” era sinônimo de falcatrua.

Será que o teatro contemporâneo não dá mais um José Celso ou um Julian Beck, uma Cacilda Becker ou uma Judith Malina, um Oswald de Andrade ou um Nelson Rodrigues, uma Ester Góes ou uma Ítala Nandi, um Beckett ou um Brecht, um Paulo Autran ou um Fernando Torres, um Arrabal ou um Flávio Marcio, um Renato Borghi ou um José Wilker, só para lembrar de alguns artistas do teatro que é bom e que me fizeram e me vieram à cabeça neste momento? Todos estes, em pessoa ou por suas obras, já vieram aqui e foram muito bem recebidos. Flávio Marcio (Tiro ao alvo) era mineiro; José Wilker é também.


Em compensação...

O diretor Ronaldo Brandão acabou de estrear com muito sucesso (a Gazeta resenhou), em março passado, a peça de Arrabal O Arquiteto e o Imperador da Assíria, e com a inovação de ter escalado duas atrizes (Soraya de Borba e Guga Barros) para os dois papéis masculinos do elenco.

Por que o FIT não a aproveitou?

Mês passado, Rodrigo Leste encerrou uma bem sucedida turnê pelo sul do Brasil onde fez 28 apresentações em escolas de segundo grau do seu novo trabalho em “teatro-portátil”, O Segredo do Bruxo, peça escrita e encenada por ele para o público juvenil em homenagem ao nosso grande Machado de Assis, no centenário de seu falecimento que neste ano se comemora.

Por que o FIT não a aproveitou?

Hélio Zolini e Soraya de Borba permanecem com a delicada Fragmentos (muito bem estreada em 2006) prontinha para o palco.

Por que o FIT não a aproveitou?

Os gringos iriam “gostar muito” de todas as três peças, se as tivessem visto, e ao menos teriam levado algo mais memorável daqui, para além do vexame da “batucada” que não deu samba e da grana que ganharam.

E, com certeza, há muito mais do teatro que é bom por esses brasis e pela América Latina que esta Gazeta não sabe e que o FIT não aproveitou.

Na última edição do FIT, na capa do prospecto tinha um palhaço; desta vez é um bufão. Ambos caricaturas medievais européias no cenário de uma Belo Horizonte que se pretende a Metrópolis de Superman – uma estética híbrida e forânea da pior espécie, além de desgastada e déjà vu até para uma criança de cinco anos.

Por que não fazem só um bom Festival de Teatro, teatro mesmo, simples teatro, o teatro que é bom - sem palhaçada, sem circo, sem bufonaria, sem malabarismos, sem besteirol, sem pirotecnia, sem pernas-de-pau, sem “grupos” de anônimos -, o teatro dos artistas ou das trupes de artistas distintos onde podemos conhecer a cada um por seus nomes e trabalhos, enfim, o teatro da arte, a dramaturgia brasileira e latino-americana, ainda que as considerem, colonizadamente, arte de segunda, de terceiro mundo ou de província?

Não é saudosismo, não. Essa mania de querer globalizar tudo é que já encheu o saco!


Abraços

Mario Drumond

Em tempo: Gustavo Gazzinelli divulga o Manifesto pelas Serras e Águas de Minas (ver http://www.pelasserraseaguasdeminas.com.br/manifesto.html) denunciando os descalabros do atual governo da colônia das Minas Gerais com as maiores riquezas desta terra, maiores que o ouro, os diamantes e as pedras preciosas. Nem Silvério dos Reis poderia ter sido tão vil e traidor. Vovô Tancredo deve estar revirando no túmulo.

Revisão: Frederico de Oliveira (para quem curte textos bons e bem escritos, recomendo o blog de Frederico – O Apito - no endereço http://www.thetweet.blogspot.com)

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