Coleção completa por Volume (anual)

Gazeta em forma de e-meio 37 (13/5/2008)

Fim do mundo x novo mundo

2. Novo mundo

O recente esforço do Presidente Lula da Silva para dissociar o etanol brasileiro do estadunidense confirma o grave erro político que foi para o Brasil firmar um acordo com Washington para promover um mercado mundial de biocombustíveis. (Mario Osava em “Brasil: álcool contaminado por etanol estadunidense” - Inter Press Service, 9/5/08)

Pois é! O outrora paladino do “Fome Zero” é visto agora pelo mundo montado no cavalo da Fome ao lado do senhor da Guerra, como ator coadjuvante do apocalypse now. Assim caminha a humanidade... para a cova! Não quis ouvir as vozes sábias que, do Instituto do Sol, há anos vêm sinalizando para a nossa saída brasileira pela biomassa.

Bautista Vidal, Marcello Guimarães, Adriano Benayon, Gilberto Vasconcellos e tantos outros que colocaram conhecimentos, experiências, talentos e biografias a serviço patriótico e desinteressado de defesa das soluções viáveis, endógenas e criativas, muitas das quais nos demonstraram à exaustão em obras publicadas, entrevistas, palestras e até, no caso de Marcello, na prática heróica e bem sucedida de um experimento magnífico que realiza com recursos próprios, foram solenemente ignorados: – “Tudo doido!” – mofavam deles os petucanos. Porque, quando se fala de combustíveis, se não tem logomarca, padrão gráfico-visual, leiaute “de primeiro mundo”, power point acadêmico, jeitão de big corporation, e, principalmente, orçamentos astronômicos, então só pode ser coisa de gente doida, coisa de brasilero.

Marcello desmistificou essa lenda de que o assunto de combustíveis é restrito a grandes empreendimentos, grandes corporations, alta tecnologia, investimentos gigantescos, etc. Mostrou que, no Brasil, é perfeitamente viável a produção caseira de álcool combustível como subproduto do cultivo de alimentos e como motor de um ciclo produtivo para pequenas propriedades que as tornam independentes energética e financeiramente, além de dar empregos estáveis a toda a população e não necessitar de uma gota do poluente a cada dia mais raro (e caro) “ouro negro”. “Se o pequeno produtor é capaz de produzir o leite, que é um combustível que vai para o estômago das pessoas” – argumenta ele –, “por que não será capaz de produzir o álcool, um combustível que vai para as máquinas e que é muito mais fácil de fabricar, conservar e distribuir?”

Estas fotos foram feitas na fazenda de Marcello, em Mateus Leme, a 35 km de BH. É a microdestilaria feita por ele ali mesmo, com os precários recursos de uma oficina de fundo de quintal, e que produz 200 litros de álcool por dia como subproduto do cultivo de várias hortaliças, frutas, legumes, açúcar mascavo, cachaça, laticínios, adubos orgânicos e outros itens, com autonomia energética e sem uso de agrotóxicos e fertilizantes industriais à base de petróleo. O sistema pode ser implantado em qualquer pequena propriedade rural brasileira com área entre 10 a 30 hectares e gera pelo menos cinco empregos estáveis. Marcello calcula que, só em Minas Gerais, é possível, numa reforma agrária bem feita, o estabelecimento de um milhão dessas pequenas propriedades que, valendo-se de um sistema como o dele, potencializariam cerca de cinco milhões de empregos só na zona rural, uma produção de combustíveis em torno de 200 milhões de litros de álcool/dia, além de alimentos saudáveis e suficientes para o Brasil inteiro e com sobras para exportação.

Numa reunião em que este gazeteiro participou sobre o assunto, uma professora da UFMG argumentou que o projeto de Marcello é carente de substância teórica e estudos acadêmicos que lhe dessem validade científica, eis porque não consegue recursos públicos para evoluir em escala nacional. Perguntada se já havia ido até a fazenda de Marcello, a professora disse que ainda não tivera a oportunidade de visitá-la. Como a fazenda está só a 35 km de distância do Campus da UFMG, é possível que os doutos professores universitários estejam aguardando que a fazenda vá até ao Campus para enfim poderem conhecê-la.

Este gazeteiro já fez duas reportagens lá. Uma em 2002, que foi publicada na revista Caros Amigos e deu uma enorme repercussão, até mundial. A segunda, feita em 2006, é muito mais interessante, porque demonstra o sucesso da experiência depois de quatro anos de evolução, mas não sai publicada nem a porrete. Pequenos proprietários do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Pará, e produtores rurais de várias partes do mundo, Holanda, Alemanha, Canadá, Austrália e o escambau foram até lá para pegar subsídios que Marcello fornece quase gratuitamente, e muitos desses visitantes já estão implantando o sistema em suas respectivas regiões. Nenhuma ajuda oficial até hoje foi dada ao cientista, nem àqueles que adotam o projeto. Nenhum interesse de autoridades e políticos. Os que vão lá retornam falando que “aquilo é coisa de gente doida” e nunca mais voltam. Não tem logomarca, não tem cara de big business, então só pode ser “coisa de gente doida”.

Coisa de “gente normal” é a destruição da Amazônia, do Pantanal, do Triângulo mineiro, dos campos cultiváveis do Brasil todo, estas sim, com as conhecidas logomarcas, os power points, a propaganda midiática e os estudos acadêmicos que lhes dão suporte e validade.

Mas o novo mundo está mais para Marcello do que para as plantations science fiction, sejam elas do tipo Jetsons ou Blade Runner. Se a humanidade quer continuar vivendo neste planeta terá de se adequar a ele, ou será o seu fim. O novo mundo será o das pequenas propriedades rurais complementarmente auto-suficientes, onde todos trabalham para dar o seu grão de areia na grande e diversificada produção universal que haverá de alimentar a todos de maneira saudável e justa. Não haverá lugar para parasitas e exploradores do trabalho humano. Estes estão com os seus dias contados.


Abraços

Mario Drumond

Em tempo: Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente, e Bazileu Margarido, presidente do Ibama, acabam de pedir demissão em caráter irrevogável.

De Marina Silva à Agência Brasil (ontem, um dia antes do pedido de demissão): "O Brasil não quer ser a Opep dos biocombustíveis. (...) Queremos dar nossa contribuição em relação aos biocombustíveis, mas observando nossa capacidade de suporte e de forma que não comprometa a segurança alimentar nem a questão ambiental (...) Nossa economia depende 50% da nossa biodiversidade. Quem destruiria sua galinha dos ovos de ouro?"

Resposta da Gazeta: Nossos próprios governos, minha senhora, desde os que derrubaram João Goulart até os recentes, incluindo este do qual a senhora vem participando há cinco anos. Só agora a senhora percebeu? E, se a “nossa economia depende 50% da nossa biodiversidade”, como a senhora disse, eu digo que a nossa vida depende 100% dela.


Revisão: Frederico de Oliveira (para quem curte textos bons e bem escritos, recomendo o blog de Frederico – O Apito - no endereço http://www.thetweet.blogspot.com/)

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