Coleção completa por Volume (anual)

Gazeta em forma de e-meio 48 (11/7/2008)

Audiência x Influência

Beto Almeida, jornalista e diretor da TeleSur no Brasil, confidenciou-me as preocupações dos setores de esquerda em relação às novas mídias venezuelanas: - “Estão perdendo a batalha da audiência para as mídias de domínio privado” – revelou-me.

Tenho acompanhado de perto – via internet - a construção dessa nova mídia pela revolução bolivariana, levada a cabo com audácia e competência por excelentes profissionais de jornalismo e comunicação daquele país, além do apoio de um bom número de boas cabeças em todo o mundo, em especial as de países de língua espanhola. Há também um fator que considero fundamental nesse processo: a intuição de comunicador inato do presidente e estrategista Hugo Chávez.

Discordo de que o diagnóstico que me confidenciou Beto Almeida seja um diagnóstico preocupante e negativo. Em primeiro lugar, porque não se trata propriamente de uma “batalha de audiência” e sim de uma “batalha de influência”, que seria, sem dúvida, uma doutrina mais adequada para se lutar – e vencer - a batalha midiática em curso.

O fator “audiência” é de interesse meramente capitalista e comercial. Por exemplo: o best seller Código Da Vinci teve uma grande audiência, muita gente comprou e leu o livro apesar de que poucos saibam exatamente que “porra é essa”. A audiência satisfez o projeto editorial capitalista e comercial, e aos que levaram o lucro não importa nada se amanhã a poeira do tempo tiver apagado o livro da memória dos leitores, que é o que inevitavelmente ocorrerá, se já não está ocorrendo.

Ao contrário, desde que foi escrito, pouca gente comprou e de fato leu o Don Quixote, mas todo mundo sabe algo das virtudes e loucuras daquele personagem que se tornou célebre porque se inseriu universal e definitivamente na consciência humanista dos povos, através da identificação deles, seja pela leitura direta de Cervantes ou por influência dos que o leram (informação indireta), com as desditas e sucessos do nobre “Cavaleiro da Triste Figura”.

É o fator “influência”, de altíssimo valor cultural e revolucionário, e quase nenhum interesse comercial e capitalista. Penso que seja o fator “influência” e não o “audiência” o de interesse maior para a nova mídia revolucionária, e o que realmente esteja sendo adotado em sua estratégia de combate com a mídia hegemônica.

A estrutura da nova mídia na Venezuela foi concebida para atuar nos principais planos que interessam ao combate revolucionário. No plano mundial e continental, foi criada a TeleSur; no plano nacional, reestruturou-se as estatais VTV (Venezolana de Televisión) e a RNV – Rádio Nacional de Venezuela; a Vive TV foi criada para atuar nas comunidades pobres e indígenas, dando-lhes também voz e protagonismo principal, e para coordenar o bem sucedido movimento de TVs e Rádios Comunitárias que a revolução promove. Na vertente cinematográfica, foi criada uma poderosa infra-estrutura, capaz de competir com os principais pólos de cinema do mundo, inclusive Hollywood, encabeçada pelo super-estúdio Villa del Cine e outras fortes instituições complementares de distribuição, exibição, etc. Nas mídias escritas, impressas e eletrônicas, desenvolveu-se, alimentada por uma bem informada Agência Bolivariana de Notícias, uma série de ótimos sites e jornais de opinião e documentação histórica, além de políticas editoriais - de livros e periódicos, e de distribuição massiva de acesso à internet - direcionadas para a massificação da leitura e da pesquisa em todas as faixas de renda e extratos sociais.

Para ficarmos só na TeleSur - que há poucos dias completou apenas três anos de inaugurada e tem contra ela todas as forças mais poderosas do mundo capitalista -, ela já se tornou a principal mídia mundial de referência sobre a América Latina, distanciando-se, disparada, das poucas que levam em consideração essa parte do mundo, como a CNN e a Fox News. Se não é ainda a “campeã de audiência”, é, sem dúvida, a de maior influência continental e já se tornou capaz de desmontar todas as matrizes de opinião que a mídia hegemônica tenta armar contra Chávez e a Venezuela. Só neste ano já fez isso uma meia dúzia de vezes. É a única que possui filiais e correspondentes em todas as capitais de países latino-americanos, a única que tem agilidade e mobilidade em todo o território continental sul e centro-americano, no México e nas ilhas do Caribe, e a única que tem estrutura jornalística capaz de acessar informação privilegiada de governos, setores de poderes civis e militares, partidos políticos, movimentos sociais e demais fontes de informação importantes de naturezas progressista e revolucionária.

É de se lembrar que a Globo, no Brasil, com tudo a favor, precisou de ao menos cinco anos (de 1965 a 1970) para disputar audiência com as demais grandes emissoras.

As oligarquias latino e norte-americanas já demonstram pânico e reação explícita contra o que passaram a chamar de “império comunicacional do ditador Hugo Chávez”. Ao mesmo tempo, e em aberta contradição com seus medos e sustos, afirmam, por seus próprios medidores de “audiência”, que as novas mídias bolivarianas são insignificantes.

Não é a audiência que temem, é a influência. Os povos latino-americanos não confiam mais nas mídias hegemônicas. Quando querem saber o que de fato está acontecendo ou quando precisam tomar decisões, os nossos povos seguem as diretrizes das novas mídias revolucionárias bolivarianas, seja por onde lhes chegue, direta ou indiretamente, mas de maneira confiável, a informação que nelas se produz e se difunde.

Teremos mais sobre esse papo.


Reparo

Imperdoável foi a omissão, pela última Gazeta, do ator Kimura Schettino, outro nome mineiro importante para a dramaturgia nacional que é sistematicamente excluído do FIT. Desculpe o equívoco, Kimura, foi um “branco” inexplicável.


Seção de Cartas

Ô Drumond,
leio rotineiramente tua gazeta e respeito tuas abordagens. Compreendo, sem esforço, afinal cada um tem suas preferencias, que vc não tenha gostado do FIT. Mas olha, um evento como este, que já é um patrimonio artistico e cultural de Belo Horizonte e dirigido por ninguém menos que o nosso admirável Carlão, pode sofrer desvios eventuais de qualidade, mas tem sempre a marca indelével desse homem, cujo conhecimento do teatro e a incansável dedicação já deveria, na minha opinião, provocar o maior respeito de toda a comunidade de BH. Cordialmente, Pedro Olivotto

Responde o gazeteiro:

Ô Pedro,
Não tenho nada contra o Carlão, que conheço bem e por quem tenho o maior respeito. Sei que no FIT tem muita gente boa e bem intencionada. Mas não é deles que trato nesse artigo, nem os citei. O problema da cultura brasileira se reflete na totalidade dos eventos com patrocínio público disfarçado de patrocínio privado. É na verdade uma terceirização da política cultural para colocá-la nas mãos de interesses privados e antinacionais. O Carlão, o Eid e toda a turma pouco ou nada podem fazer a respeito. E, afinal, eles têm de trabalhar para o pão de cada dia, eu entendo isso, pois conheço a situação. A questão que eu abordo reside no verdadeiro poder decisório e suas manipulações midiáticas. E os resultados são: pouco ou nenhum compromisso com os valores artísticos locais, regionais e nacionais, exclusão do artista enquanto protagonista principal da História da Arte e a tentativa (fracassada) de sua substituição por empresas ("grupos") pseudo culturais, alienação do público, ausência de uma crítica séria e exigente e muitos etc. Estou certo de que você me entende. E é preciso que alguém fale alguma coisa, que alguém ponha o dedo na ferida, que mexa com o problema onde ele de fato acontece. Para mim, o mais fácil seria elogiar o Carlão e o FIT. Obrigado por sua resposta e abs do Mario Drumond


Abraços

Mario Drumond


Revisão: Frederico de Oliveira (para quem curte textos bons e bem escritos, recomendo o blog de Frederico – O Apito - no endereço http://www.thetweet.blogspot.com)

Copyleft e copyright totalmente liberados. “Direito de ser traduzido, reproduzido e deformado em todas as línguas.”

Arquivamento