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Gazeta em forma de e-meio 44 (22/6/2008)

Tiro ao alvo

O F-16 cruza o céu azul-claro de Falluja como se fosse a ponta de uma flexa titânica lançada de um porta-aviões da classe Nimitz, desde o Golfo Pérsico. Na carlinga, o piloto é uma espécie em extinção. É um burocrata teleguiado que apenas testemunha e monitora as operações remotamente decididas em Washington e comandadas diretamente pela equipe do porta-aviões, que tudo vê e tudo ouve “em tempo real”. Em meio a ruídos radiofônicos, cabe ainda ao piloto algumas tarefas periféricas, entre elas as de ajustar o alvo e de conferir o tiro.

O alvo é uma quadra de habitações e pequenos edifícios de um bairro pobre da periferia da cidade, tido como “bairro cristão”, onde a Inteligência de guerra suspeita estarem esconderijos de perigosos terroristas. Terrorista é a palavra que, na terminologia dessa guerra que os EUA movem contra o mundo, designa a todos os que resistem à invasão de seus países e ousam defenderem suas próprias famílias, terras e culturas, além das demais legitimidades de berço e de direito.

No écran do painel de instrumentos da aeronave surge a imagem de topo da pobre quadra-alvo, e o piloto gira um botão, fazendo com que, sobre o centro dela, se posicione uma cruz eletrônica:

- Fire! – ouve o piloto em seus fones de ouvido.

A bomba de “rácimo”, “a mãe de todas as bombas”, com quinhentos quilos de explosivos de “última geração”, a última palavra da tecnologia de destruição até o momento desenvolvida pelo “homem”, é lançada sobre o alvo com precisão laser, deixando no céu um rastro branco de morte. Na proa dela, uma câmera exibe aos monitores conectados on line a aproximação do alvo, perfeita, “cirúrgica”, até que, de repente, se apaga.

- “Missão cumprida!” – confirma, feliz, o piloto.

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Em terra, no cenário ainda incendiado e fumegante da quadra completamente destruída, estaciona uma caravana de Humvees e carros de bombeiros, escoltada por dois tanques de guerra. Do primeiro Humvee salta o sargento Delano Dewitt com a sua prancheta de mão. Ele dá ordens a seus comandados, distribui tarefas, organiza o pelotão e os bombeiros para apagarem os focos de incêndio e procederem o “inventário” daquele último “procedimento de ataque”.

Junto a dois homens fortemente armados e quatro bombeiros que carregam machados, pás, picaretas e outros equipamentos, o próprio Dewitt penetra os destroços por entre monturos de concreto despedaçados, fazendo a contagem e tentando identificar os mortos. Antes, eles passaram uma pomada nas narinas para neutralizar o cheiro de carne humana queimada. Apesar de estar a menos de seis meses na guerra, Dewitt já se tornara experiente nessa tarefa. Já os cadáveres e a matança em si não produziam nele o mesmo efeito assustador das primeiras vezes, mas nunca deixava de impressioná-lo a miséria original que se revelava naquelas habitações destruídas, onde se espalhavam, em explodida desordem, trastes e escolhos da pobreza extrema que denunciavam. “Muito pior do que a minha, que já considero um ultraje” – pensava Dewitt.

Naquele momento, chama-lhe a atenção um objeto brilhante, que colhe do piso imundo com uma grande pinça, coloca-o num saco plástico, lacrando-o e numerando-o, e anota no campo Objetos de Valor do formulário: “1 (hum) crucifixo dourado-metálico, de marca INRI, com corrente de pescoço feita de semelhante material”. No local, ele deixa um cartão com os seguintes dizeres bilíngües (inglês e árabe): “Objetos de valor foram recolhidos e estarão sob custódia das Forças Armadas dos EUA até que familiares devidamente documentados os reclamem a partir de descrições precisas. Mais informações no telefone tal (0800, etc)”.

Entre dezenas de cadáveres dilacerados, mutilados e carbonizados de homens, mulheres e crianças, que vão surgindo da diligente remoção de entulhos procedida pelos bombeiros, e que Dewitt vai anotando e detalhando minuciosamente em seu “inventário”, surge um corpo, quase intato e nu, de um garoto de cerca de oito anos, cuja pele morena escura, a face e os cabelos fizeram-no lembrar-se, imediatamente, do seu pequeno Michael, também nascido há quase oito anos, no mesmo dia de nascimento de Michael Jackson, o ídolo pop de Dewitt. No passado, Dewitt chegou até a cultivar uma semelhança física com o seu ídolo, culto que abandonou quando o ídolo fez uma operação plástica. Contudo, manteve o fiel fanatismo a ele e, naquele mesmo instante, pelo MP3 instalado no capacete, estava desfrutando um dos seus mais recentes hits.

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À distância de uns duzentos metros dos Humvees, na quebrada sombria de um prédio abandonado de outra quadra semi-destruída, escondia-se Juba, o temível franco-atirador. Desde que a bomba explodiu, ele se deslocou para lá, encontrou a posição, colocou-se nela e pacientemente aguardou, ajustando e aprimorando a mira telescópica de seu rifle, à qual se acoplava uma mini-câmera de vídeo, sem quase se mover nas mais de quatro horas que se passaram até a chegada dos invasores.

Duas horas mais se passaram até que Juba tivesse diante de sua mira o alvo que esperava, e esse alvo foi Dewitt, ao deixar os escombros a caminho do Humvee que o aguardava. Ao parar para abrir a porta do jipe, Dewitt tombou morto, caindo ao solo como um boneco desengonçado, atingido na têmpora esquerda com uma precisão tal, que também poderia ser qualificada de “cirúrgica”.

Quando abandonava a região num carro velho que utilizava nesses trabalhos, Juba cruzou com as unidades móveis da Fox News, BBC e CNN, indo em caravana na direção da quadra bombardeada.

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Na sala de um minúsculo apartamento térreo de um velho e imenso prédio do Bronx, em Nova York, que fora transformado em cortiço de “refugiados das hipotecas vencidas”, destacava-se, desproporcional, o aparelho de televisão de 29 polegadas, diante do qual acomodava-se, num sofá sórdido, o pequeno Michael Dewitt. Ele tinha no colo uma bandeja com o lanche que a avó, a viúva Joana Dewitt, acabara de lhe preparar, consistindo num sanduíche de hamburguer, um saquinho de batatas fritas industriais e uma lata de refrigerante, todos esses itens das marcas mais medíocres e baratas que o mercado pode oferecer a seus pobres consumidores ou a consumidores muito pobres.

Eis que surge na tela, com a legenda “mais uma vítima civil de terroristas no Iraque”, um close do rosto de Delano, sem o capacete, sobre uma poça de sangue que se espalhava no asfalto. Ao lado de seu rosto inerte, a ressaltar sobre a poça de sangue, o crucifixo de ouro, de “marca INRI”, com a corrente “de semelhante material” surgindo no quadro como se viesse presa ao pescoço dele.

– “Venha, vovó, venha depressa!” – exclamou cândida e alegremente Michael – “Papai está na televisão!”


GAZETA URGENTE!

Jornalista é proibido de falar sobre obra da Prefeitura de Alfenas, MG.

Portal Imprensa » Últimas Notícias
Publicado em: 19/06/2008 18:35
Por Marina Dias/Redação Portal IMPRENSA

Há mais de dois meses, o jornalista e músico Frederico Mendonça de Oliveira está proibido de publicar em qualquer meio de comunicação artigos sobre "a praça do juiz", uma obra construída na cidade de Alfenas, em Minas Gerais, que o jornalista julga como "ilícita".

A proibição veio de uma liminar judicial expedida em abril deste ano, que determinou que Fredera, como é conhecido, retirasse do ar o artigo de seu blog, The Tweet, e todas as matérias que fizessem referência ao assunto em um prazo de 24h, sob pena de multa diária de R$ 500.

"Um juiz e o juízo final" foi escrito por Fredera para denunciar uma praça construída pelo juiz Paulo Cássio Moreira, teoricamente em parceria com o prefeito de Alfenas, Pompílio Canavez.

Fontes do Portal IMPRENSA afirmam que Moreira teria construído uma área verde em seu bairro utilizando "pessoal e material da prefeitura e de empresas privadas para lavar dinheiro". Ainda assim, a fonte acredita que a obra "simplesmente não existe, porque não foi documentada. Trata-se de um ilícito público absolutamente sem documentação".

Em seus artigos, o jornalista questionava a legalidade da construção do juiz e, sob queixa-crime por calúnia e difamação e sob indenizatória por danos morais, está agora proibido de se pronunciar publicamente sobre o assunto.

O envolvimento do prefeito na obra, segundo fonte, diz respeito à suposta compensação executada pelo juiz, que teria livrado o político de três processos. "Quando apertou o cerco da investigação, o meritíssimo solicitou a obra, e o prefeito não pôde negar".

Procurada pelo Portal IMPRENSA, a assessoria do prefeito de Alfenas afirmou que o projeto do juiz foi o de "melhorar uma área verde mal cuidada de seu bairro, o mesmo do jornalista". Ainda segundo a assessoria, o juiz fez convênios com a universidade e outros moradores para realizar a obra e protocolou o projeto, "iniciando-o somente depois da aprovação da Prefeitura".

No entanto, a assessoria afirma que o prefeito está fora dos autos. "Isso diz respeito apenas ao jornalista, à mulher dele e ao juiz", finaliza a assessoria.



Abraços

Mario Drumond


Revisão: Frederico de Oliveira (para quem curte textos bons e bem escritos, recomendo o blog de Frederico – O Apito - no endereço http://www.thetweet.blogspot.com)

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