Coleção completa por Volume (anual)

Gazeta em forma de e-meio 38 (20/5/2008)

Cego em tiroteio


Número um: a Gazeta não só defende os direitos das populações originárias em todo o mundo como as admira e respeita, e crê em suas culturas e sapiências como vitais para a sobrevivência da humanidade;

Número dois: a defesa de tais direitos implica no combate à manipulação dos mesmos por aqueles que não as respeitam nem as consideram e que têm por meta destruí-las a fim de apossar-se das riquezas naturais de seus territórios;

Número três: não há fonte de informação pública segura e confiável sobre o assunto – a mídia hegemônica, por suas empresas de comunicação de domínio privado, trabalha a serviço daqueles que querem eliminar não só os direitos, mas a própria existência cultural e física de todas as populações originárias do planeta. E o governo da República não possui nem desenvolve qualquer alternativa eficaz de comunicação para o nosso povo, nem permite que ela se desenvolva por conta própria.

Eis que, no espírito destes enunciados, ao querer contribuir para elucidar a questão da tribo dos ianomâmis, no Estado de Roraima, a partir de um artigo de Adriano Benayon, este gazeteiro viu-se em meio a um fogo cruzado de informações opostas, ambas partindo de fontes que lhe são confiáveis, e reconhece que se precipitou ao dar como certa a inexistência da tribo por constatar não estar ela referenciada no célebre Mapa Etno-Histórico de Curt Nimuendajú.

São duas as trincheiras que emitiram os disparos:

- a que denuncia a inexistência da tribo dos ianomâmis e o uso dela como farsa para encobrir uma estratégia de afronta à soberania nacional e fragmentação do estado brasileiro;

- a que reconhece a existência dos ianomâmis bem assim a cooperação da tribo para a unidade territorial e vê na denúncia de sua inexistência uma manobra para expulsá-los de seus territórios legítimos.

Na primeira, militam vozes importantes como a do almirante reformado Roberto Gama e Silva, amazonense, que se baseia no livro A Farsa Ianomami, de autoria do coronel do Exército Carlos Alberto Lima Menna Barreto e no legado dos trabalhos do almirante Braz Dias de Aguiar, o “Bandeirante das Fronteiras Remotas”, falecido em 1947, que foi o responsável pela delimitação completa e definitiva das fronteiras amazônicas nacionais.

Na segunda, vozes igualmente importantes como a do compositor Guilherme Vaz, outro bandeirante das fronteiras remotas de não menor importância que são as da cultura e da música original das Américas, especialmente a Amazônia, o qual dá testemunho de ter conhecido o povo ianomâmi e de que o cineasta recém falecido Sérgio Bernardes teria realizado um documentário na tribo; e dos aportes de Gustavo Gazzinelli, enviando publicações de autoridades da FUNAI e do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro.

Outros correspondentes se manifestaram pelos dois lados, em defesa das duas vertentes de opinião, em geral com base nos mesmos fundamentos citados acima, e ficaria longa esta Gazeta se mencionássemos a todos.

Esta polêmica entre pessoas e pensamentos que lutam por uma mesma luta e que deveriam estar juntos numa só trincheira contra o inimigo invasor e imperialista é sintomática da ação corrosiva das empresas de comunicação de domínio privado e da mais absoluta inação e conformismo, na estratégica esfera das comunicações sociais, por parte do atual governo.

Não seria muito difícil a solução da questão dos Ianomâmis. Se a tribo existe e não é uma tribo extraterrestre, ela tem, portanto, uma história e uma geografia. A história das tribos originárias na Amazônia, em geral, se divide em duas. O corpus de literatura oral conservado em mitos, lendas, costumes e tradições de sua cultura ancestral; e a que começa no dia em que ocorreu o primeiro contato com o homem “civilizado”, que deveria estar registrada nos documentos produzidos pelas pessoas e entidades que protagonizaram aquele primeiro evento e os posteriores. Esta última deveria registrar, também, com precisão, os espaços geográficos que vinham sendo ocupados pela tribo, desde o primeiro contato.

Então, bastaria aos que postulam pela existência real dos ianomâmis trazer a público, de modo confiável e convincente, os registros que validam a história e a geografia deste povo, tal como os há dos demais povos originários da Amazônia. É possível que tenham tentado fazê-lo e até que o tenham feito por meios diversos, mas nem a mídia hegemônica e nem o governo lhes possibilitaram a plataforma de comunicação com o alcance e a credibilidade de que necessitariam para fazer pública, geral e convincentes tais informações.

Ficamos, assim, o povo brasileiro (e a Gazeta), como cegos no meio do tiroteio.


Abraços

Mario Drumond

PS – a seguir, as duas últimas remessas de Adriano Benayon (o debate continua)


Caro Mario,

Em 1978, quando ainda estava no Itamaraty, fiz relatório sobre um certo Sumner Institute of Linguistics, a pedido do então Ministro das Relações Exteriores, Antonio Azeredo da Silveira.

Esse Instituto era financiado por igrejas principalmente norte-americanas e já havia traduzido a Bíblia para uma infinidade de línguas indígenas. Com que fim era questão em aberto, mas o interesse geológico dos religiosos estava patente. Outro dado que me lembro ter recolhido na época era que funcionários da FUNAI viajavam de carona em aviões do Sumner Institute of Linguistics. Ademais, pelas manifestações de quase todos os dirigentes da FUNAI, até hoje, afigura-se evidente que essa instituição é uma das muitas que está mais do que infiltrada por ideologias e outras coisas importadas do Hemisfério Norte.

Alguns antropólogos falarem da existência de indígenas na região da reserva dita ianomâmi, atribuindo-lhes essa denominação, não afeta de forma alguma o que interessa, a saber, que nunca existiram índios com esse nome de suposta tribo até pelo menos metade dos anos 70, quando ela foi inventada com a importação de indígenas para o local, que passaram a ser chamados e a autodenominar-se ianomâmis, assim instruídos por ONGs, entidades como o CIR e outras envolvidas no esquema.

Ora, o alegado por essas entidades e pelos agentes de governo para fundamentar demarcação de enorme território em linha contínua é que tais índios andavam pela área desde tempos imemoriais.

O principal antropólogo mencionado no comentário de Gazzinelli é Viveiros de Castro, autor de obras teóricas e com muito tempo no exterior, como professor. De resto, na entrevista ao Estadão eis o que se diz:

“Existe o risco de reivindicação de autonomia por parte dos índios? A terra ianomâmi está demarcada desde o governo Collor e nunca houve isso. Alguém imagina que os ianomâmis queiram reivindicar um Estado independente, justamente um povo que vive numa sociedade sem Estado? Chega a ser engraçado.”

Primeiro, ele nada atesta sobre a (falsa) existência secular de ianomâmis nem na área ianomâmi nem em outra área. O trecho citado e outro mais denotam somente ilações inspiradas ideologicamente, sem qualquer base em observações locais fidedignas.

Engraçado, para não dizer ridículo, é esse antropólogo pensar que a idéia de criar um Estado ianomâmi partiu dos índios. Partiu de quem os pôs lá, inclusive com a colaboração da FUNAI. Isso não quer dizer que, diante do que se lhes acena de ganhos na área (riquíssima em minérios, como todos sabem), não estejam gostando da idéia. Outra indicação de que o discurso desse antropólogo é ideológico (defesa de interesses situados fora do País) é argumentar que de Collor até hoje ainda não reivindicaram um Estado independente.

É óbvio que estão procedendo por etapas: 1) penetração com ONGs, CIR, Survival International, religiosos etc. arregimentando indígenas; 2) cooptação de entidades públicas, como a FUNAI, as do meio-ambiente etc.; 3) demarcação das extensas áreas em linha contínua com regras para impedir a entrada de brasileiros não-índios (definição arbitrária e racista); 4) Tratados como o da OIT, Resolução da Comissão de Diretos Humanos e Declaração da Assembléia-Geral da ONU (setembro de 2007), afirmando o direito de autodeterminação, escolher suas instituições políticas etc.

Abraços,

Adriano Benayon



Caro Mario,

Em complementação à última mensagem, encaminho estas declarações do sertanista Orlando Villas Boas, personalidade mais do que insuspeita de não ser amigo dos indígenas.

Abraço,

Adriano Benayon
De: Cláudio Tollendal [mailto:tollend@gmail.com] Enviada em: segunda-feira, 19 de maio de 2008 07:37Para: ADRIANO BENAYONCc: ZILTON TADEU; PEDRO PORFIRIO; konningAssunto: O império ataca...

15 JUN 2003 TV Cultura O programa `Expedições` apresentou parte de uma entrevista feita com o grande brasileiro, sertanista e patriota Orlando Villas Boas, falecido em dezembro de 2002. Na reportagem, ele falou: `Os americanos levaram para os EUA 15 chefes ianomâmis, tanto brasileiros como venezuelanos, para lá aprenderem o inglês e serem treinados `politicamente` para que, ao retornarem, criem um contencioso internacional com o objetivo de fazer com que a `comunidade internacional` declare a criação de um Estado `Índio`, tutelado pelos EUA, cujo território seria delimitado pelas áreas das atuais reservas ianomâmis no Brasil e na Venezuela. Vocês pensam que eles fazem isto por amor aos ianomâmis? Não, é por que em Roraima estão as maiores reservas de urânio do mundo. Eu, provavelmente, não viverei para ver isto, mas vocês, com certeza, testemunharão. ORLANDO VILLAS BOAS



Revisão: Frederico de Oliveira (para quem curte textos bons e bem escritos, recomendo o blog de Frederico – O Apito - no endereço http://www.thetweet.blogspot.com)

Copyleft e copyright totalmente liberados. “Direito de ser traduzido, reproduzido e deformado em todas as línguas.”

Arquivamento