Coleção completa por Volume (anual)

Gazeta em forma de e-meio 9 (17/10/2007)

Sem erro

Trago uma ótima notícia aos amigos leitores. Recebi e-mail de meu amigo Frederico de Oliveira (“Fredera” para os amigos históricos) oferecendo-me gentil e desinteressadamente seus valiosos préstimos de revisor da Gazeta. Talvez o leitor não faça idéia do quanto isso enriquecerá nosso trabalho. Pouca gente, aliás, faz idéia do quanto é importante o papel desse difícil mister para a qualidade editorial de qualquer veículo publicado. Os leitores da Gazeta poderão percebê-lo já neste e nos próximos números, nos quais se verão livres dos solavancos e atropelos que até então vêm sofrendo por conta da famigerada “revisão de autor”, quase sempre incapaz de corrigir as falhas de redação, que lhe passam batidas, por mais que leia e releia seu texto cem vezes, desde os pequenos erros de digitação até os mais graves de seus titubeios e deficiências no domínio do léxico ou da gramática. Mas, uma vez publicado o texto, eis que seus erros lhes saltam aos olhos, imediatamente, como feridas que sangram o trabalho, e tornam-se uma pedra no seu sapato pelos desconfortos que para sempre causarão aos seus leitores e a si mesmo.

É longa a história desses atropelos, e já na princeps de Os Lusíadas, pela falta de grana do pai da nossa língua para bancar um revisor, foram tantos os erros e equívocos de todos os tipos e tamanhos, até os mais cabeludos, nas duas impressões que se fizeram no ano de 1572, que demorou quase cem anos para dedicados especialistas e doutores estabelecerem em definitivo o texto do maior clássico literário da Língua Portuguesa e saberem, enfim, qual das duas impressões foi a de fato a primeira. Também Euclides da Cunha, na primeira edição de Os Sertões, pagou pena semelhante por motivo igual, e teve de penitenciar-se corrigindo ele mesmo, a mão, um a um, os inúmeros erros que foram impressos nos três mil exemplares que mandou tirar. Nem o grande Machado de Assis escapou ileso, por mais sisudo e sistemático fosse, quando na famosa 2ª edição de suas Poesias Completas, deixou imprimir, na breve introdução que incluiu no livro, esta frase que se tornou célebre: "a afeição do meu defunto amigo a tal ponto lhe cagara o juízo...". O original era assim: "a afeição do meu defunto amigo a tal ponto lhe cegara o juízo...".

Desde 1973, este gazeteiro se ocupa, com total e absoluta independência, da insana profissão de editor de livros e periódicos para a resistência cultural no Brasil e, sempre que pôde, teve bons e bem pagos revisores para suas edições. Devo mencionar aqui o mais importante deles, Sávio Grossi, que é também editor, jornalista e escritor dos bons, apesar de publicar pouco por ter de vender seu talento à publicidade, na eterna luta por uma sobrevivência digna. Nas lides do jornalismo, este gazeteiro tem colaborado com a revista Caros Amigos e tira o chapéu para os trabalhos de revisão de Mauro Feliciano, sem dúvida um dos principais responsáveis pela qualidade editorial daquele periódico que tem, a meu ver, a qualidade final de edição de texto entre seus mais altos valores.

Frederico não só é um compositor e músico importante da nossa Música Contemporânea Popular, como também é um escritor e jornalista que vem contribuindo muito, via internet e em livros e jornais impressos, para o esclarecimento e o entendimento em profundidade do gravíssimo estado de colonialismo cultural em que estamos atolados até o pescoço. Além do mais, foi professor de Português e, com certeza, foi ótimo professor. Tal como Sávio Grossi, ele está entre aqueles pouquíssimos e privilegiados autores da nossa Língua Pátria capazes de serem revisores de si mesmos, pois trazem os dois talentos, o de autor e o de revisor.

Quem já se ocupou para valer da edição de obras gráficas, sabe que não é qualquer um que pode ser um bom revisor gráfico, e os atributos necessários não são fáceis de encontrar hoje em dia, em especial quando o revisor é também um autor. Eis porque, exultante com o presente recebido, este gazeteiro - que jamais teria condições de pedir e menos ainda pagar por uma tarefa dessas, quiçá a mais ingrata e difícil das diversas tarefas de editoração (o trabalho do revisor só aparece quando ele erra) – dedica esta edição aos revisores gráficos históricos e atuais, quase nunca mencionados ou creditados nas obras publicadas, mas que foram e são fundamentais na maior parte do que leva qualidade, importância, e nos faz orgulhar da nossa ainda incipiente produção editorial.


Abraços

Mario Drumond

Aí, Maru
Foram feitas as correções neste texto. Gostei da consideração sobre o fato de o trabalho do editor só aparecer quando ele erra – embora só os conhecedores saquem esses erros. Só pra ilustrar, e agora fico à vontade pra falar, já peguei três erros graves de Português no Aurélio, sem contar as dezenas de termos consagrados há quase século ou até mais que isso no conhecimento popular e que ele simplesmente não consigna.