Coleção completa por Volume (anual)

Gazeta em forma de e-meio 20 (20/12/2007)

O rolo compressor da História

A Gazeta 2, de 11/9/2007, publicou notícia do acordo humanitário que naqueles dias começava, com a mediação de Hugo Chávez, entre o governo e as FARC da Colômbia, para a troca de prisioneiros de guerra. Na ocasião, foi anotada a sabotagem do governo Álvaro Uribe aos objetivos do acordo, que já se faziam visíveis desde então. Porém, a Gazeta, em audacioso comentário, fez a previsão de que nada poderia com o “rolo compressor da História” que, naquele momento, Chávez havia posto em movimento, ao aceitar o convite para a mediação feito pela senadora colombiana Piedad Córdoba, que fora credenciada pelo governo Uribe para fazê-lo em nome da própria Colômbia.

E não deu outra. Desde então, Uribe (e toda a máfia que o cerca) só fez obstruir grosseira e estupidamente o processo, que sempre se adiantava apesar de tudo, até o ponto em que, obedecendo a ordens diretas de Bush, que foram levadas pessoalmente pelo lacaio espanhol Aznar, “decidiu” destituir Chávez da condição de mediador, sob alegações as mais infames. Na verdade, quando convidaram Chávez pensavam em colocá-lo numa armadilha política que pudesse, senão derrubá-lo do poder na Venezuela, avariar consideravelmente seu prestígio internacional. Viram que isto não se conseguia, mas, muito pelo contrário, Uribe e seus amos do Império não tiveram outra saída e apelaram feio.

Não adiantou nada, apenas atrasou um pouco o percurso inevitável dos fatos. Durante a gestão de Chávez, os progressos vieram a passos acelerados e, em menos de três meses, produziu-se um avanço que não fora conseguido em mais de cinco anos por governos e entidades de prestígio mundial que intentaram a mesma coisa. Nem sequer uma prova de vida dos prisioneiros das FARC fora lograda nos últimos cinco anos, por todos os que se envolveram nas tentativas anteriores, inclusive o Vaticano. Chávez obtivera provas de vida em abundância, de vários e importantes prisioneiros, alguns deles há mais de dez anos nos cárceres da guerrilha. Mas, num golpe sujo, Uribe as garfou para si, interceptando-as em Bogotá, a partir das informações privilegiadas que lhe foram dadas pelo próprio Chávez, escondendo-as por algum tempo para impedir que Chávez as exibisse a Sarkosy, na ocasião de sua visita à Europa. E até mesmo prendendo as próprias mensageiras como “terroristas”. Foi quando “destituiu” Chávez da mediação, para poder reivindicar para si a conquista das ansiadas provas de vida. Porém, os fatos jamais lhe dariam tal crédito, e a trapaça se escancarou, para escândalo do mundo inteiro, e para horror das esperançosas famílias dos prisioneiros dos dois lados. Chávez, por sua vez, chamou publicamente Uribe de “marionete do Império”, declarou o rompimento de suas relações pessoais com ele e o fechamento comercial da fronteira com a Colombia – um duro golpe econômico para um país que exporta mais de U$ 5 bi/ano para a Venezuela.

Agora, as FARC, com toda a nobreza, dão uma bela lição aos trapaceiros.

Como se vê divulgado – até pela mídia hegemônica, mas sempre de forma manipulada e esquiva à verdade dos fatos –, as FARC, em atitude unilateral e numa demonstração da seriedade de suas intenções pacifistas, vão liberar três prisioneiros que estavam em seus cárceres há mais de cinco anos, à exceção do pequeno Emmanuel, de três anos de idade, que nasceu no cativeiro e será liberado junto a sua mãe, Clara Rojas, ex-candidata a vice-presidenta da Colombia na chapa de Ingrid Betancourt, que terá de aguardar os próximos lances desse difícil jogo que Chávez vem conduzindo com maestria em favor da pacificação do último país latino-americano onde ainda permanece a luta armada.

Como nenhum veículo da mídia hegemônica publicou o Comunicado das FARC anunciando este ato histórico, a Gazeta, em mais um furo nacional, o publica na íntegra, traduzido para a nossa língua pátria por seu redator-chefe (e único).


Íntegra do comunicado das FARC
(publicado na Prensa Latina em 18 de dezembro de 2007)

1. Álvaro Uribe fracassou em seu intento de manipular o presidente Chávez e a senadora Piedad Córdoba. De novo exibiu seu verdadeiro rosto, de inimigo que é do acordo humanitário e da paz negociada.

2. A indignativa anulação da gestão mediadora foi um ato de barbárie diplomática contra o legítimo chefe de um estado irmão e contra o povo venezuelano, que foram solidários à solicitação de Bogotá. Essa vergonhosa atitude abriu um péssimo precedente, pois também atingiu o presidente Sarkosy, os presidentes latino-americanos solidários com a ação mediadora, outros governos sempre diligentes para assuntos humanitários, o movimento dos países não alinhados, os povos de França, Estados Unidos, América Latina inteira e, especialmente, aos esperançados familiares dos prisioneiros de guerra das duas partes, que já pressentiam mais próximo o final de suas angústias.

3. Este governo que se refere às FARC como se estivesse ganhando a guerra, com fantásticos discursos dirigidos às elites empresariais do mundo, não engana os 30 milhões de colombianos pobres nem as pauperizadas classes médias que são vítimas da violência diária, econômica, social e militar por parte do Estado. Muito menos pôde ocultar do mundo, com o cruel comunicado que encerrou a mediação, a intensa confrontação armada de profundas raízes político-sociais que vive a Colômbia, nem a ilegitimidade do regime cujo presidente e boa parte dos congressistas, prefeitos e governadores foram eleitos graças à ação direta, política, financeira e armada do terrorismo narco-paramilitar.

4. Acovardado para negar com franqueza qualquer possibilidade de acordos humanitários, confundindo-se – ora as FARC são terroristas, ora uma força política-militar, beligerante, com a qual estaria disposto a dialogar e chegar a acordos –, o presidente Uribe, sem nenhuma seriedade, muda radicalmente de opinião cada fim de semana e improvisa inaceitáveis propostas, como a atual, para que realizemos diálogos com o mentiroso assessor Restrepo, em inóspitos, remotos e clandestinos lugares, com prazo de 30 dias, enquanto que nos enche de impropérios, nos ameaça com novas operações militares, ratifica sua ordem de resgate militar e oferece dólares aos combatentes das FARC para traírem seus ideais. Definitivamente, a este governo falta realismo e grandeza para conversar com a insurgência fariana.

5. Reafirmamos a necessidade da liberação de Florida e Pradera por 45 dias para concretizar um acordo humanitário, mantemos nossa decisão de realizá-lo e de avançar para uma solução política do conflito social e armado a partir de uma negociação cercada de plenas garantias por parte do Estado, e buscando, não a recomposição do atual regime paramilitarizado, corrupto e ajoelhado diante do Império, senão a construção de um novo regime, transparente, verdadeiramente democrático e soberano, como expusemos no Manifesto Fariano e na Plataforma Bolivariana.

6. Agradecemos ao presidente Hugo Chávez por sua dedicação, por seu colossal esforço mediador, por sua inquestionável boa fé nesta jornada humanitária, por sua solidariedade com a causa pacífica do nosso povo, e pelo tempo por ele dedicado apesar de suas enormes responsabilidades como primeiro mandatário da hermana República Bolivariana da Venezuela. A História lhe renderá o merecido reconhecimento por sua gestão humanitária.

7. Ante à infâmia uribista e como desagravo ao presidente Chávez, à senadora Piedad Córdoba e aos familiares dos prisioneiros, aceitamos seu chamado e vamos liberar a doutora Clara Rojas, o seu pequeno Emmanuel e a doutora Consuelo Gonzales de Perdomo como mostra inquestionável da esperança que havíamos depositado em seu papel mediador. Elas e Emmanuel deverão ser recebidos pelo presidente Hugo Chávez ou por quem ele designe, em circunstâncias tais que se evitem baixezas uribistas como as sucedidas com as provas de vida. A ordem para libertá-los na Colômbia já foi dada.

Secretariado do Estado Maior Central
FARC-EP
9 de dezembro de 2007
17 anos depois da agressão a casa verde


Abraços

Mario Drumond


Revisão: Frederico de Oliveira (para quem curte textos bons e bem escritos, recomendo o blog de Frederico – O Apito - no endereço http://www.thetweet.blogspot.com)

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