Coleção completa por Volume (anual)

Gazeta em forma de e-meio 11 (21/10/2007)

Tropa celite

José Sette enviou e-mail com este nome pro fórum da ABD (Assoc. Bras. de Documentaristas) em protesto pelas cenas “de ação”, tomadas por um coppolinha da Globoterror, onde uma favela do Rio era metralhada por helicópteros com a desculpa de caça a bandidos. Concordo com o Sette em tudo. Vi as cenas pela TeleSur e toda a Nuestra América ficou chocada com aquela barbaridade. Pegou muito mal para o Brasil; brasileiros matando brasileiros daquele jeito, ao vivo, pela TV...

Mas eis que o abdista Diego de Godoy responde ao Sette dizendo que ele estava sendo ingênuo, porque os caras, os alvos da perseguição, eram bandidos bravos (do mal) e a polícia (do bem) tinha mais era que fazer aquilo mesmo. E ainda: “não julgo nem discuto aqui o método da polícia.” Ô Diego! Cê pirou, cara?! Que história é essa de polícia sair metralhando favela de helicóptero? O que fizeram os favelados para merecer bala no côco? Com certeza você não mora perto daquela favela, porque se morasse não ia gostar nem um pouco de que chovesse bala no seu telhado. Eu moro perto de favela e não quero saber de helicóptero zoando na minha cabeça. Tenho até um vizinho que é advogado e vou falar com ele, porque, se a moda pega, como é que nós ficamos?

E tem mais, Diego. Quem falou pra você que os caras eram bandidos? A tevê? Então, meu caro, o ingênuo da parada não é o Sette, não. Mas, supondo-se que eram bandidos mesmo: a polícia tinha de dar jeito de pegá-los vivos prá levar pro xilindró, é pra isto que nós a pagamos. Em país civilizado quem afinal decide o que vai rolar com bandido é o “dotô” juiz. E sem essa de arriscar vidas da população, a polícia não pode fazer isso - é proibido por Lei! Só no cinema é que pode, mas é de mentirinha, é ou não é, Sr. Maniqueísta?


Os esquálidos

Na medida em que avança e radicaliza, a Revolução Bolivariana da Venezuela revela e ressalta um tipo que é muito comum a todos os países latinoamericanos: o intelectual burguês ou pequeno-burguês que, nas décadas de 60/70, fora ardoroso e radical defensor das mais avançadas teses revolucionárias, militante de partidos e grupos ativistas de esquerda, e até integrante de ações de guerrilha rural e urbana. Em geral, de boa formação universitária, atuava nas cúpulas dirigentes e contribuía com publicações de vanguarda, e os mais prolíficos e proeminentes, até com livros e textos célebres da época.

Mas foi bastante aquelas teses saírem da teoria para a realidade, como inegavelmente ocorre no processo venezuelano – em que já se concretizam avanços extraordinários como a conscientização das massas, a real distribuição de renda e a participação popular nas grandes decisões políticas –, para tais intelectuais flagrarem-se no paradoxo existencial entre o que pensavam quando jovens e o que se tornaram na maturidade, após o período neoliberal que nos envolveu a todos e que, no caso deles, falou mais forte o berço, a origem de classe. Eis que, no interregno neoliberal, muitos se tornaram ferrenhos direitistas, raivosos reacionários, capazes de assustar seus próprios pais, ultra-conservadores de então, e os próceres mais eminentes da direita que outrora combateram com entusiasmo.

No caso da Venezuela, o processo os isolou e os evidenciou com mais nitidez do que em qualquer outro país, e, talvez por trazerem em geral um tipo franzino, tímido, branquelo, de baixa energia e mal humorado, a picardia popular e esclarecida, que hoje vigora entre o povo venezuelano, os apelidou de “escuálidos”.

O mais ilustre deles chama-se Theodoro Petkoff, apesar de não portar o tipo físico que predomina entre seus pares. A seguir, o leitor saberá por que nos interessa, em especial, essa figura. Autor de livros importantes, editorialista de gênio, conquistou a admiração dos mais exigentes leitores escrevendo em inúmeros periódicos de esquerda, nas décadas de 60/70. Junto às melhores cabeças da sua geração, entre as quais se encontram grandezas como as de Ludovico Silva e os irmãos Adan e Hugo Chávez, foi fundador do Movimento Bolivariano Revolucionário, ao final dos anos 70, movimento que depois se tornaria clandestino, sob o nome MBR-200, com a adesão de grupos guerrilheiros e oficiais das Forças Armadas; mais tarde, em 1992, já como MVR (Movimento V República), intentou duas rebeliões militares, e, enfim, legalizado sob esta última sigla, o movimento conquistou o poder pelas urnas, em 1998, com a eleição de Hugo Chávez.

Até 1998, Petkoff, apesar do gradual afastamento e de manter prudente distância do movimento que ajudou a fundar, era ainda considerado um aliado. Mas tão logo Hugo Chávez demonstrou que não seria um presidente qualquer, e que a proposta revolucionária era para valer, Petkoff rapidamente passou para o outro lado, onde foi recebido com grande satisfação pelas oligarquias que o presentearam, como ao filho pródigo que retorna à casa, com um jornal diário quase só para ele. Jornal este (Tal y Qual) que chegou a disputar influência no país e que, recentemente, reduziu-se à tiragem de míseros mil exemplares quando assim, falido, acabou por ser incorporado como um caderno extra do maior jornal da direita venezuelana e o mais feroz órgão de imprensa das forças reacionárias e conservadoras que ainda restam no país, o Universal, uma espécie de Estadão de lá.

A trajetória do esquálido Petkoff, diferentemente da maioria de seus pares em que a mediocridade fora uma constante, pode ser analisada como rara demonstração da fundamental importância do vetor revolucionário presente no espírito criador para a configuração de uma obra de arte (entendendo que toda obra de composição do pensamento deva se propor como tal), daí nosso interesse por ela. Não bastam o talento, a inteligência privilegiada, o adestramento técnico e todos os demais atributos presentes no espírito criador. Para que a realização dele alcance a grandeza histórica e contributiva (a obra de arte), é fundamental que a energia criadora se direcione a propósitos revolucionários, vanguardistas e transformadores da realidade, no sentido de humanizá-la, elevá-la, engrandecê-la.

Petkoff é hoje um mediocre escritor acadêmico e exerce um péssimo jornalismo, francamente venal, além de mal escrito. É um escritor cuja obra, visível e claramente, retrogradou da genialidade para a mediocridade. Com frequência, seus ex-companheiros, quase todos atores importantes do atual processo revolucionário, contrapõem argumentos de Petkoff com escritos dele próprio, dos idos gloriosos, quando permitia a manifestação livre e solta de seu gênio criativo e vanguardista. Deve ser para ele um verdadeiro inferno existencial. Ter de lutar contra o que foi sendo o que é, sabendo-se, com a mais absoluta certeza – como sempre e para sempre! –, inevitavelmente derrotado.


Os Três Patetas II (ou Segunda bateria)

Fernando Henrique Cardoso (ex-Brasil), Ricardo Lagos (ex-Chile) e Carlos Menem (ex-Argentina) formam o novo elenco escolhido pelos roteiristas de Washington para as próximas turnês internacionais anti-Hugo Chávez. Será um remake da primeira bateria (v. Gazeta 10). Mudam-se os atores e os cenários e mantêm-se o script e o texto, com pequenas adaptações. Ainda não está decidido se Venezuela será incluída numa das turnês. Há rumores de que militantes bolivarianos estão importando raquetes mata-moscas da China.


Abraços

Mario Drumond